Título: ABSTENÇÃO, BOICOTE E DESENCANTO NA VENEZUELA
Autor: Janaian Figueiredo
Fonte: O Globo, 04/12/2005, O Mundo, p. 46

Ausência de eleitores na votação para o Congresso pode chegar a 75% e acabar por fortalecer o poder de Chávez

BUENOS AIRES. Em 15 de agosto de 2004 uma enorme quantidade de eleitores esperou em filas por mais de oito horas, debaixo de um sol abrasador e suportando uma temperatura acima dos 35 graus para votar no referendo sobre a continuidade do governo Hugo Chávez. Mas as eleições de hoje para renovar as 167 cadeiras da Assembléia Legislativa (o Congresso venezuelano) deverão ser marcadas por uma altíssima abstenção.

Nos dias anteriores à votação, os principais partidos opositores retiraram muitas de suas candidaturas e convocaram um boicote eleitoral em repúdio à suposta falta de transparência do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado pelo governo (quatro de seus cinco diretores são aliados de Chávez).

População está desiludida com governo e oposição

Para Chávez, o boicote não passa de um golpe eleitoral, prenúncio de uma nova tentativa de golpe militar nos moldes do que aconteceu em abril de 2002, quando o presidente foi afastado do poder durante 48 horas. Uma operação golpista, assegurou Chávez, orquestrada pela Casa Branca para impedir o avanço de sua revolução bolivariana.

Segundo pesquisas divulgadas semana passada em Caracas, a abstenção deverá oscilar entre 70% e 75%. O mais provável, disseram analistas locais ouvidos pelo GLOBO, é que o Movimento Quinta República (MVR), partido fundado pelo presidente, passe a ter maioria de dois terços no Congresso, com mais de 80% das cadeiras (hoje o MVR detém 54% do total de congressistas). Chávez, que já controla as Forças Armadas, o Judiciário, o Banco Central e todos os órgãos públicos importantes do país, será dono de um poder ainda mais hegemônico, num país cada vez mais desiludido com ambos os lados, governo e oposição.

¿ Não existem cenários bons para esta eleição ¿ explicou Ignácio Ávalos, diretor da ONG Ojo Electoral (Olho Eleitoral), integrada por chavistas, chavistas radicais, chavistas light, antichavistas e ni-ni (nem chavistas, nem antichavistas).

Para esta ONG ¿ único observador local reconhecido pelo CNE ¿ a crise eleitoral é reflexo da crise política que há anos assola o país.

¿ Se Madre Teresa de Calcutá fosse designada presidente do CNE, ela seria atacada em praça pública, pois é impossível ser árbitro neste polarizado cenário eleitoral ¿ afirmou Ávalos.

Segundo ele, ¿a grande questão é saber qual será o percentual da abstenção. Se atingir 80%, será uma vitória da oposição, agora, se for inferior a 60%, Chávez terá conseguido um bom resultado¿.

Em agosto do ano passado, a abstenção atingiu 30% e o governo obteve seis milhões de votos a favor da continuidade de Chávez no poder. Se o MVR conseguir quatro milhões de votos hoje terá derrotado, mais uma vez, uma atrapalhada e dividida oposição que, apesar do crescente descontentamento da população, não conseguiu ainda construir uma alternativa de poder.

¿ Vivemos um clima de antagonismos sem alternativas. Mais de 50% dos venezuelanos são ni-ni, 69% desaprovam a gestão do Gabinete de Chávez, entre 40% e 45% respaldam o presidente e 83% demandam basicamente cinco coisas: unidade, eficiência, ordem e ética ¿ disse Oscar Schémel, diretor da empresa de consultoria Hinterlaces.

Para ele, ¿muitos chavistas optarão pela abstenção, pois consideram que o líder é Chávez, seus colaboradores são oportunistas e corruptos¿.

¿ A participação que houver será mobilizada e comprada pelo governo ¿ enfatizou.

Na visão de cientista política Ana Maria Sanjuan, coordenadora do Centro para a Paz e a Integração, o atual cenário não convém a ninguém. A oposição, declarou ela, está cometendo suicídio político e o governo está perdendo um de seus principais trunfos no relacionamento com a comunidade internacional: a legitimidade eleitoral.

¿ É inexplicável que um partido político renuncie à sua participação no Congresso. Essa atitude vai aprofundar o sistema hegemônico controlado por Chávez. Por outro lado, a realização de eleições é uma das bandeiras deste governo e um dos motivos que explicam o respaldo externo a Chávez. Todos perdemos, o país perde ¿ ponderou Sanjuan.

A oposição novamente está rachada e sem líderes fortes. Importantes movimentos antichavistas como a Assembléia Educação, um dos primeiros grupos que saíram às ruas para manifestar oposição a Chávez, pediu aos venezuelanos que votem ¿e sejam coerentes com a estratégia democrática que traçamos¿.

No entanto, outros setores insistem em defender o boicote, pois asseguram que quem votar contra o governo será perseguido. Os antichavistas temem que um Congresso dominado pelo presidente aprove uma nova reforma da Constituição que estabeleça, entre outras medidas, a reeleição indefinida do presidente. Diante do perigo, optaram por uma conduta que pode ser considerada antidemocrática e que certamente aprofundará ainda mais a crise política venezuelana. A polêmica eleição será monitorada pela Organização de Estados Americanos e pela União Européia.