Título: O AR QUE LEVA À MORTE
Autor: Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 19/06/2005, Rio, p. 18

O carioca adoece com o ar que respira. Estudo inédito elaborado pelo Instituto de Medicina Social da Uerj comprova que o número de internações ou mortes por problemas respiratórios aumenta até 40% por causa da poluição atmosférica. O trabalho, concluído semana passada pelo pesquisador Antônio Ponce de Leon, foi realizado durante dois anos com idosos e crianças, população mais suscetível a doenças pulmonares. A grande vilã carioca do ar, segundo o levantamento, é a partícula inalável - poeira fina gerada por veículos, indústrias e outras fontes - que ataca os pulmões.

O pesquisador observou que o número de crianças em hospitais sobe 4,3% e o de mortes de idosos, 3%, cada vez que a poluição aumenta 10 microgramas (um milésimo de grama) de partículas inaláveis por metro cúbico de ar. Este valor é a diferença média da concentração do poluente de um dia para o outro. Por ano, são pelo menos 248 internações de crianças e 120 mortes de idosos exclusivamente relacionadas à poluição.

Em situações críticas, estações registram variações de até 94 microgramas, o que eleva para 40% o percentual de crianças em hospitais e para 28% o de mortes de idosos.

Índice do Rio pior que o de São Paulo

Ponce de Leon reuniu, durante dois anos, dados das estações de monitoramento da qualidade do ar da Feema e da Secretaria municipal de Meio Ambiente, dos hospitais integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio e outras informações num complexo programa de modelagem estatística:

- O estudo não é uma combinação simplista de poluição com estatísticas do SUS. Para alcançarmos um índice, levamos em consideração a sazonalidade (a poluição é maior no inverno), o possível aumento da população de idosos, as condições climáticas e ainda os dias de maior atendimento médico. É um resultado preciso e, por isto, alarmante.

O sinal de alerta é ainda maior no caso das crianças. O estudo revelou nessa faixa etária índices de internações relacionados à poluição mais alarmantes que os de São Paulo, onde foi feito trabalho semelhante. O resultado é surpreendente porque a capital paulista tem a qualidade do ar pior que a do Rio.

- Ainda não temos uma explicação científica, mas especulo que o endereço das escolas públicas do Rio, quase sempre perto de grandes vias onde há excesso de poluentes de veículos, influencie no resultado - diz Ponce de Leon, que coordena na Uerj o Programa Ar e Saúde no Rio de Janeiro (AreS-Rio).

Os idosos também sofrem. Sebastião Mathias, de 74 anos, adoece sempre que a poluição contamina a atmosfera. Semana passada, quando as estações marcavam índices críticos de qualidade do ar, ele era atendido no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do Fundão), sob os olhares da mulher, Merycler Martins:

- O ar fica mais pesado, agrava meus problemas. No verão, quando chove, eu sempre passo bem. Estou com dificuldades de respirar e com muita irritação nos olhos.

Na unidade de pesquisa clínica do hospital, a pneumologista Aline Alves Cairo confirma o resultado da pesquisa da Uerj:

- Em dias poluídos, noto um aumento de 20% no número de atendimentos. E aqui não temos emergência. A diferença de quadro clínico dos pacientes é bastante nítida.

Especialistas explicam que a poluição é grave especialmente numa região chamada de Bacia Aérea 3, que compreende a região Centro-Norte do Rio e municípios da Baixada Fluminense. A área é cercada por maciços que impedem a ação da brisa do mar, considerada um filtro para os poluentes atmosféricos.

Segundo a Feema, em quase 65% das 35 estações manuais (as mais antigas) - a maioria localizada na Bacia Aérea 3 - as partículas inaláveis estão acima do tolerado. A chefe de qualidade do ar do órgão, Maria Isabel de Carvalho, explica a origem da poluição da cidade:

- Observamos que, atualmente, 77% das emissões de poluentes no Rio vêm de veículos e o resto, das indústrias. Já fazemos a inspeção de gases veiculares com o Detran. A solução para reduzir os níveis de poluição é investir em transporte de massa, em renovação da frota e em alternativas menos poluentes de combustível - diz Maria Isabel.

Enquanto o Rio não ganha novos ares, a fila aumenta em hospitais. No Fundão, a acompanhante Marília Martinha, que tem um filho com bronquite, dá o tom do problema:

- No Rio, não saio de casa sem remédio. Se faltar ar, a saída é tomar injeção em emergências.

Situação só melhora quando chove

Os picos de poluição do Rio de Janeiro ocorrem normalmente entre maio e setembro, quando a cidade está sob a influência da inversão térmica. Neste mês, até anteontem, o Departamento de Meteorologia da UFRJ registrou 11 ocorrências do fenômeno na cidade. É quase o equivalente à média histórica do mês de junho, de 13 vezes.

Na inversão térmica, o ar quente, mais leve, fica parado numa altitude superior à do ar frio, pesado. Nessa situação estável, as massas de ar não se movimentam. Além disso, não há chuva. Com isto, os poluentes gerados na cidade não sobem nem são dissipados.

- A chuva e o vento servem como filtro da atmosfera. Por isto, quando entra a frente fria, o ar fica imediatamente limpo - diz o meteorologista da UFRJ Luiz Maia.

Anteontem, o Rio completou 22 dias sem a entrada de frentes frias.

Com a seca, a cidade acumula vários poluentes - segundo a Feema, há um aumento de 30% nos índices nesta época. As partículas inaláveis, citadas no estudo da Uerj, não estão sozinhas no ar do Rio. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 23% no nível de ozônio na cidade, que irrita severamente olhos e pulmões. Foi registrado ainda um crescimento de 2,5% dos poluentes monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio, segundo monitoramento automático do órgão estadual.