Título: BRASIL FINANCIA ESTUDO COM CÉLULA EMBRIONÁRIA
Autor: Leonardo Velente
Fonte: O Globo, 11/06/2005, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 34

Ministros da Saúde e da Ciência e Tecnologia estão liberando R$26 milhões para pesquisas em diversas áreas

O ministro da Saúde, Humberto Costa, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, anunciaram ontem que o governo vai estimular e financiar pesquisas com células-tronco embrionárias, permitidas pela Lei de Biossegurança. Com o anúncio oficial, o país se torna um dos pioneiros no mundo no financiamento público desses estudos.

Os dois ministérios devem liberar cerca de R$26 milhões para uma série de pesquisas em diversas áreas médicas, e vários dos estudos inscritos utilizam este tipo de célula.

Governo analisa 94 projetos de pesquisa

Segundo Humberto Campos, o Ministério da Saúde está em contato permanente com a Advocacia Geral da União para garantir que nenhuma liminar ou outro recurso jurídico impeça a execução da Lei de Biossegurança.

- Não podemos permitir que o Brasil caia no atraso nessas pesquisas. Temos tudo para estar entre os países de ponta na área de células-tronco e, para isso, é importantíssimo o estudo de células-tronco embrionárias. Respeito as convicções religiosas e ideológicas, mas elas não podem atrasar o avanço da ciência - disse o ministro.

Os dois ministérios abriram edital para a candidatura de pesquisas que serão financiadas pelo governo. O processo, que já está na fase de avaliação, tem 94 propostas sendo estudadas.

- Muitas delas se referem a estudos com células-tronco embrionárias. As que julgarmos serem importantes serão aprovadas - afirmou Eduardo Campos.

Ação no STF vai ser contestada ponto a ponto

O anúncio do ministro aumenta ainda mais a polêmica em torno desse tipo de pesquisa. No final de maio, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade contra o dispositivo da Lei de Biossegurança que autoriza esse tipo de experiência científica. Segundo Fonteles, o artigo viola o direito à vida e fere a dignidade da pessoa humana, dois princípios da Constituição.

Seguindo orientações de Costa, a equipe de advogados da União deverá, no entanto, contestar ponto a ponto a argumentação apresentada pelo Ministério Público.

- Eles não conseguiram uma liminar contra a Lei de Biossegurança, que é um instrumento constitucional. Estamos otimistas pois isso é um sinal de que não devem conseguir muita coisa na Justiça. Mas estamos atentos e produzindo um parecer técnico mostrando a importância desse tipo de estudo para o país e para o mundo - revelou Humberto Costa.

Além das pesquisas com células-tronco, os dois ministérios estão investindo também em pesquisas em diversas outras áreas, como saúde mental, câncer, hanseníase, e estudos que avaliem as condições e sugiram melhorias para a saúde dos povos indígenas.

- Os temas foram escolhidos por razões estratégicas para a saúde e para o desenvolvimento do país - disse o ministro da Saúde.

País inicia amplo estudo com células adultas

Fase clínica começou ontem e 1.200 voluntários participam da pesquisa

O estudante de enfermagem Gerson Brasil Soares, de 27 anos, sofre de cardiomiopatia dilatada, uma dilatação do músculo cardíaco que torna difícil a realização das mais simples atividades físicas do dia-a-dia e pode levar à morte. Há três meses, depois de duas paradas cardíacas, seu estado de saúde era considerado gravíssimo. Após ser submetido a uma terapia com células-tronco adultas no Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras, no entanto, sua qualidade de vida mudou completamente.

- Já me sentia à beira da morte. Não tinha forças para fazer nada. Depois que fui submetido a essa terapia, minha vida mudou completamente. Hoje (ontem), por exemplo, subi e desci sete vezes a escada do hospital para dar entrevistas. Nunca imaginei que pudesse fazer isso novamente - disse ele, emocionado.

O exemplo positivo de Gerson, que participou de um estudo experimental, pode virar realidade de tratamento em três anos. Os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia iniciaram ontem, simultaneamente no Rio, em São Paulo e na Bahia a fase clínica do maior estudo do mundo para o tratamento de doenças cardíacas graves com células-tronco.

Mais de 40 centros de pesquisa e 1.200 pessoas em todo o país participam do projeto, que tem por objetivo averiguar a segurança e a eficácia da terapia. Se ficar comprovado que o tratamento é eficaz e seguro, ele deverá ser oferecido pela rede pública hospitalar em, no máximo, três anos. Os testes iniciais de hoje foram feitos pela manhã no Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras (INCL), no Rio, no Hospital Santa Izabel, em Salvador, e o Instituto do Coração (Incor) de São Paulo. Todos eles, segundo os médicos, foram bem-sucedidos. Além da cardiomiopatia dilatada, três outras doenças estão sendo submetidas à terapia nos testes: doença isquêmica crônica, mal de Chagas e infarto agudo do miocárdio. (L.V.)

BOXE EXPLICATIVO

Um tema polêmico

Enquanto o Brasil anuncia investimentos públicos para estudos com células-tronco embrionárias, países com pesquisas de ponta, como os EUA, enfrentam batalhas políticas e jurídicas para tentarem fazer o mesmo.

O presidente dos EUA, George W. Bush, diz que vai vetar qualquer projeto de lei neste sentido e os favoráveis às pesquisas tentam agora fazer com que o Senado aprove o projeto com dois terços dos votos, numa tentativa de impedir o veto.

Já na Coréia do Sul, graças ao financiamento do governo, pesquisadores conseguiram um feito histórico nesta área: produziram, a partir da clonagem de células de nove pacientes, 11 linhagens de células-tronco embrionárias. Em menos de dois anos, o país assumiu a liderança nas pesquisas deste setor.

Os defensores desse tipo de pesquisa alegam que ela é de vital importância para o entendimento e a cura de muitas doenças. Em todo o mundo, o potencial dessas células está sendo estudado para o tratamento de câncer, diabetes, doenças genéticas, lesões de medula espinhal, demências, doenças auto-imunes, entre outras.

Os que se opõem às pesquisas alegam que embriões são seres vivos e que manipulá-los para pesquisa seria um crime. Os defensores sustentam que apenas embriões de até 15 dias são usados e que eles não podem ser considerados seres vivos já que não têm ainda sistema nervoso. São apenas aglomerados de células.