Título: Amorim repele proposta dos EUA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 07/06/2005, Economia, p. 33

Chanceler brasileiro diz que melhor ação para prevenir problemas é o combate à pobreza

FORT LAUDERDALE, Flórida. Não houve meias palavras. O chanceler Celso Amorim foi claro ao manifestar diretamente à secretária de Estado, Condoleezza Rice, ontem, a oposição do Brasil à proposta dos Estados Unidos de se criar dentro da Organização dos Estados Americanos (OEA) um mecanismo específico para ¿monitorar a qualidade da democracia¿ na América Latina. Condoleezza presidia a assembléia-geral da OEA e acabara de dar a palavra ao chanceler brasileiro. Ele foi direto:

¿ Senhora presidente, a democracia não pode ser imposta; ela nasce do diálogo.

A idéia apresentada pelos EUA propiciaria uma intervenção direta num país cujo governo estivesse, na opinião de uma comissão especial da OEA, tomando um caminho duvidoso. Segundo vários diplomatas, o primeiro alvo seria o governo de Hugo Chávez, na Venezuela.

¿Queremos soluções sem intervencionismo¿

Amorim seria ainda mais explícito numa entrevista logo depois de seu discurso:

¿ Não queremos mecanismos punitivos. Queremos soluções sem intervencionismo, e que tampouco sejam tomadas do alto de uma posição de superioridade moral. Afinal, estamos todos mais ou menos na mesma situação ¿ disse.

O chanceler também foi incisivo ao comentar o argumento americano de que seria necessário criar um sistema de alerta, para denunciar medidas que pareçam não democráticas:

¿ A melhor ação preventiva é o combate à pobreza e à miséria ¿ disse ele, lembrando que a insatisfação causada por tais fenômenos é que seria o fator capaz de estancar ou retroceder a democracia.

Além do Brasil, pouco mais de uma dezena de países ¿ entre eles os maiores da região (México, Argentina e Colômbia) ¿ mantiveram a sua posição contrária à iniciativa americana. Para eles, a própria Carta Democrática da OEA, firmada por todos em setembro de 2001, contém ferramentas para lidar com eventuais problemas.

O presidente George W. Bush, porém, fez um discurso insistindo na proposta de seu governo. Ele evitou usar a palavra ¿mecanismo¿, mas não deixou dúvidas sobre o que falava:

¿ Mudança democrática e eleições livres são eventos estimulantes. Apesar disso, sabemos por experiência que eles podem ser seguidos por momentos de incerteza ¿ disse.

E completou dizendo que há duas formas de ver a situação:

¿ Uma delas é a visão da esperança. E a outra procura repelir o progresso democrático das últimas duas décadas propagando o medo, colocando vizinho contra vizinho, e culpando outros por suas próprias falhas em oferecer os benefícios ao seu povo.