Título: `HÁ UM DESENCONTRO DE PROJETOS¿
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Fonte: O Globo, 26/05/2005, O Mundo, p. 28

Enviado de Lula, Marco Aurélio Garcia diz que Bolívia sofre convergência de crises

BUENOS AIRES. Em meio ao aprofundamento da crise política que há vários meses assola a Bolívia, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, encerrou ontem uma visita de três dias a La Paz cujo principal objetivo foi entrar em contato com os principais atores sociais e políticos do país e defender a necessidade de respeitar as instituições e a ordem constitucional. Marco Aurélio foi recebido duas vezes pelo presidente Carlos Mesa, mas também conversou com o deputado cocaleiro e líder do Movimento ao Socialismo, Evo Morales, e com outros dirigentes, como o ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2002) e o empresário Samuel Doria Medina, os mais cotados para disputar a Presidência nas próximas eleições.

Marco Aurélio teme aumento da violência no país

No mesmo dia em que dois tenentes-coronéis exigiram a renúncia do presidente Mesa num pronunciamento num canal de TV local, Marco Aurélio descartou a possibilidade de um golpe de Estado no conturbado país.

¿ O que existe na Bolívia é um grande desencontro de projetos. O que parece uma proposta viável para um setor é visto como completamente absurdo e inviável por outros. Existe uma espécie de convergência de várias crises, o Poder Executivo está em choque com o Congresso ¿ explicou ao GLOBO o enviado do presidente Lula por telefone, de La Paz.

O que Marco Aurélio admitiu foi o risco de que a violência continue aumentando, ¿pois a Bolívia é um país muito politizado¿. Com este pano de fundo, reconheceu, a Petrobras suspendeu três importantes projetos no país, mas continua mantendo firme sua decisão de permanecer na Bolívia. Sobre os interesses econômicos do Brasil, Marco Aurélio foi enfático:

¿ O que expus aos bolivianos é que não estamos preocupados com a Lei de Hidrocarbonetos, que está sendo amplamente reprovada tanto pela direita como pela esquerda. Deixamos bem claro que o Brasil não é refém do gás boliviano. Vamos pagar o preço nos contratos, ou seja, um preço não superior ao valor de um combustível substituto no Brasil. Se não houver acordo, o Brasil tem alternativas.

O enviado de Lula, que também esteve em La Paz em outubro de 2003, durante a crise que terminou derrubando o governo de Gonzalo Sánchez de Losada, quis deixar bem claro que sua missão não foi defender a continuidade do governo Mesa.

¿ Não se trata de um apoio a Mesa. O importante aqui é que as instituições sejam respeitadas. Mesa representa um governo constitucional e nós só respaldaremos soluções constitucionais ¿ disse Marco Aurélio.

Segundo fontes do governo, o Brasil acredita que a melhor saída é que Mesa continue no poder e complete seu mandato. O problema, explicaram as fontes, é que o presidente boliviano carece de base política e enfrenta cada vez mais a resistência de diversos movimentos sociais com demandas muitas vezes contraditórias.

Sexta-feira, numa visita a Buenos Aires, o assessor do presidente Lula se reuniu com o vice-chanceler Jorge Taiana, com quem se comprometeu a entrar em contato após encerrar a missão na Bolívia. O governo do presidente argentino, Néstor Kirchner, enviou a La Paz um assessor da Chancelaria que, segundo o jornal ¿Página 12¿, tem forte vínculo com movimentos políticos e sociais bolivianos.

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