Título: ACIDENTE NO PORTA-AVIÕES
Autor: Ronaldo Braga e Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 18/05/2005, Rio, p. 14

Rompimento de tubulação de vapor causa morte de militar e ferimentos em outros dez

Um tripulante morreu e dez ficaram feridos, sendo três em estado grave, num acidente ontem de manhã a bordo do porta-aviões São Paulo, a cerca de 18 quilômetros ao sul da Ilha Rasa. Segundo a Marinha, uma tubulação de vapor se rompeu numa das praças de máquinas da embarcação, causando queimaduras nos militares em serviço. Um inquérito policial-militar investigará o caso, com prazo de conclusão de 40 dias. O navio será periciado antes de serem iniciados os reparos.

Em nota assinada pelo capitão-de-corveta Carlos Alberto Macedo Júnior, a Marinha informou que não houve explosão. Segundo a nota, com o rompimento da tubulação foi liberado vapor superaquecido junto a um quadro elétrico que estava sendo operado pelos militares.

O especialista em Forças Armadas Guilherme Poggio, colaborador do site Poder Naval On Line, explicou que pela tubulação circula vapor em alta pressão. A energia gerada no sistema é responsável pela propulsão do navio e pelo lançamento e recolhimento de aviões. A ruptura ocorreu na tubulação que liga a caldeira ao sistema de lançamento das aeronaves.

Porta-aviões custou US$12 milhões

Eram cerca de 15h quando o corpo do terceiro-sargento Anderson Fernandes do Nascimento chegou ao Hospital Naval Marcílio Dias, no Lins, num dos helicópteros do navio. Durante toda a tarde, a movimentação de parentes dos tripulantes do São Paulo foi grande na porta da unidade. Por três vezes, um helicóptero da Marinha aterrissou no pátio do hospital levando marinheiros feridos. Um forte esquema de segurança foi montado no local e não foi permitida a aproximação da imprensa.

Estão internados os cabos Daniel Pires de Andrade, José Roberto da Silva Bahia, Erivelton dos Santos Coelho, Angelo José Moraes dos Anjos e o marinheiro Felipe Machado da Rocha. Desses, os três primeiros apresentam um quadro clínico ainda considerado grave e inspiram cuidados. Outros cinco militares, feridos levemente, permaneceram a bordo.

Rebatizado como São Paulo, o porta-aviões francês Foch foi construído entre 1957 e 1960 e comprado pela Marinha por US$12 milhões (cerca de R$29,7 milhões), chegando ao Rio em fevereiro de 2001. Ainda na França o navio sofreu modificações para operar os jatos brasileiros. O navio entrou em serviço em 1963 e foi usado nas guerras do Golfo e de Kosovo, entre outras. Projetado para operar com 40 aeronaves, tem capacidade para uma tripulação de dois mil homens. Em 1999, participou da campanha da Otan na Iugoslávia.

Deputado sugere falta de manutenção

Em Brasília, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), um dos representantes dos militares no Congresso, disse que, apesar de ser relativamente novo, o porta-aviões padece de um problema enfrentado por outros setores das Forças Armadas: a falta de reposição de peças. Ele também afirmou, sem dar detalhes, que a desmotivação dos militares com a falta do reajuste salarial prometida pelo governo pode ter contribuído para o acidente:

- Tudo pode ser apontado como causa desse acidente. Até mesmo a desmotivação da categoria.

A deputada Maria José Maninha (PT-DF), integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, também reclamou da falta de recursos destinados às Forças Armadas. Outro que também citou a falta de verbas, antes mesmo de saber da informação oficial da Marinha sobre o acidente, foi o o almirante Armando Vidigal, ex-comandante do 3º Distrito Naval e consultor do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação (Syndarma).

- Não foi erro de manobra ou de manuseio. É imprevisível. Temos que ver também que o material fica mais vulnerável quando existe um corte de verba para determinadas manutenções - disse ele, acrescentando que o conserto é simples e o prejuízo não será grande.

Para ele, o que aconteceu foi uma fatalidade:

- Isso é um acidente muito difícil de acontecer. Toda embarcação com propulsão a vapor, como o porta-aviões, corre risco.

O São Paulo substituiu o Minas Gerais, que estava em operação desde 1945. Apesar de terem sido criticados na época por comprarem um navio que teria apenas mais 20 anos de vida útil, militares brasileiros consideraram a aquisição um excelente negócio. Segundo dados da Marinha de 2000, foi pago pela embarcação praticamente a metade do que custaria um avião de caça moderno.

Não é a primeira vez que acontecem problemas com o navio. Em abril de 2000, quando o porta-aviões ainda pertencia à Marinha Francesa e se preparava para deixar o porto do Rio rumo a Dacar, na África, emitiu rolos de fumaça que cobriram o céu do Centro da cidade. Na época, a Secretaria municipal de Meio Ambiente tentou multar o porta aviões, mas ele já havia deixado o porto. Diplomatas franceses atribuíram o caso a um problema na regulagem das caldeiras.

Em maio de 2001, o corpo do cabo-maquinista Gilberto Alves da Costa, de 22 anos, foi encontrado num compartimento do porta-aviões, que estava atracado no Arsenal da Marinha de Guerra, junto ao 1º Distrito Naval, na Praça Mauá. Um exame da Polícia Técnica da Marinha chegou à conclusão de que o rapaz foi vítima de um mal súbito.

EM 2000, SUBMARINO AFUNDOU NO CAIS DO PORTO

A Marinha já teve problemas outras vezes com sua frota. Em dezembro de 2000, o submarino Tonelero naufragou em pleno cais da Praça Mauá. O submarino, avaliado em US$150 milhões, estava ancorado para reparos e teria afundado devido a "uma seqüência de avarias em válvulas do sistema hidráulico". Havia quatro torpedos desativados em seu interior. A fuga dos tripulantes foi dramática, mas não houve feridos.

Em novembro de 2004, durante um exercício, uma fragata brasileira foi atingida por um tiro acidental de uma embarcação argentina, a 300 quilômetros da costa de Cabo Frio. Quatro militares do Brasil e um da Argentina ficaram feridos no acidente.

Pequenos acidentes são comuns em embarcações com turbina a vapor, como é o caso do porta-aviões São Paulo. O especialista em Forças Armadas Guilherme Poggio diz que a manutenção desse sistema de propulsão é mais cautelosa. Segundo ele, quase todos os antigos destróieres da Marinha que usavam esse sistema foram substituídos por diesel com turbina a gás.

O Minas Gerais provocou racha entre militares

O porta-aviões São Paulo substituiu o antigo Minas Gerais, que tinha tecnologia inferior, mas a mesma capacidade de provocar polêmicas e problemas que seu sucessor. Comprado de segunda mão da Inglaterra em 1956, passou três anos em reforma estrutural na Holanda e, quando chegou ao Brasil, provocou um racha nas Forças Armadas. Marinha e Aeronática brigaram pelo direito de operar os aviões anti-submarinos P-16 Tracker.

Por conta disso, o Minas Gerais ficou alguns anos sem aviões. Foi apelidado, então, de "O Belo Antônio", numa alusão ao personagem vivido por Marcelo Mastroianni em filme homônimo, que via-se impotente diante de sua paixão, vivida por Claudia Cardinale. O acordo entre as duas corporações aconteceu apenas em 1965. Ficou decidido que apenas a Força Aérea Brasileira poderia operar aviões, enquanto a Marinha estaria apta a lidar com helicópteros. A Marinha só comprou aviões em 1998, quando adquiriu caças A-4 Skyhawk.

Com o tempo, a embarcação tornou-se obsoleta. No entanto, quando a Marinha anunciou a intenção de comprar o São Paulo, foi criticada. Chamaram o novo porta-aviões de elefante branco por também ser de segunda mão. Nada diferente da compra do Minas Gerais, na década de 50. Questionado, o então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek justificou que caberia ao Brasil, em parceria com nações vizinhas, a responsabilidade de manter as águas do Atlântico Sul livres da ameaça submarina.

COLABORARAM Alexandre Galante, Carolina Brígido (Brasília) e Ruben Berta