Título: A CRISE NA SAÚDE
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 13/03/2005, Rio, p. 17

A longa fila por uma cirurgia

Quase quinze mil pessoas esperam para ser operadas em dez hospitais do Rio

Só quem corre o risco de morrer em poucas horas ou dias consegue ser operado nos hospitais públicos do Rio sem passar por uma longa e angustiante espera. Pacientes que precisam de cirurgias eletivas ¿ como são chamadas aquelas necessárias mas não tão urgentes ¿ são condenados a uma fila interminável e podem levar mais de um ano e meio para conseguir atendimento. Levantamento feito por repórteres do GLOBO constatou que 14.811 pessoas estão aguardando para serem operadas em dez hospitais, entre estaduais, municipais, federais e universitários. Quarenta e três por cento dos casos (6.390 pessoas) são de apenas quatro unidades: os hospitais de Ipanema, da Lagoa, do Andaraí e Cardoso Fontes, que eram administrados pela prefeitura do Rio e sofreram intervenção do Ministério da Saúde na quinta-feira passada.

¿ Esse número é um escândalo. É assustador e reflete o caos em que a saúde do Rio de Janeiro se encontra. ¿ diz Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos.

Sucateamento agrava situação

A fila para cirurgias eletivas sempre existiu, mas ficou mais longa e demorada nos últimos dois anos, segundo Darze, com o início do sucateamento da rede municipal. O Hospital da Lagoa parou há dois meses de realizá-las por causa da falta de insumos e medicamentos. Quem já estava internado, pronto para ir para o centro cirúrgico para a retirada de um tumor, por exemplo, recebeu alta e voltou para casa. No Hospital de Ipanema, apenas quatro das nove salas do centro cirúrgico estão funcionando. As fechadas apresentam infiltrações. Com apenas metade da capacidade, é natural que a fila cresça. Segundo o médico residente Alexandre Miranda, a unidade continua fazendo cirurgias, mas em menor escala. Atualmente, na área dele, de urologia, são feitas dez por semana. Antes da crise, eram 30 cirurgias de próstata no período:

¿ Tem dias em que cirurgias são adiadas porque faltam roupas para entrarmos no centro cirúrgico.

No Hospital do Andaraí há duas mil pessoas esperando. A direção determinou que não sejam aceitos novos casos, já que a unidade não está dando vazão sequer dos pacientes com câncer. Silvino Frazão, chefe do Setor de Oncologia, conta que, no início desta semana um deles, com um tumor no intestino, que esperava há quatro meses para ser operado, descobriu que não adiantava mais a cirurgia. Estava já com metástase (o câncer se espalhou para outros órgãos). Em janeiro, relatório enviado ao Cremerj por Dásio Lopes Simões, ex-presidente da Comissão de Ética Médica do Andaraí, revelava o caos provocado pelas obras no centro cirúrgico, que reduziu em quase 70% a capacidade. O documento dizia que os médicos estavam ¿sendo obrigados a fazer a escolha de Sofia. Decidimos quem precisa ser operado primeiro e quem terá que aguardar a ventura da internação (...) Não está sendo possível operar no momento adequado os pacientes prioritários, como os com câncer¿.

De acordo com o deputado Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Saúde da Alerj, o mais grave é que muitos casos que estão na fila para cirurgias eletivas podem virar emergenciais por causa da demora:

¿ Entre essas 15 mil pessoas, há quem espere por uma cirurgia de orelha de abano e que pode aguardar sem problemas. Mas também tem o paciente com um tumor no intestino e que vai morrer se demorar para ser operado. Ele só vai conseguir cirurgia quando houver uma obstrução no intestino e for levado às pressas para a emergência. Na fila tem também o cardíaco, o diabético que precisa passar por revascularização do pé. Sem isso, pode ter que amputar o membro.

Pinheiro lembra ainda outro problema causado pela longa espera:

¿ Os exames pré-operatórios valem em média por 90 dias. Se depois de passar pelos exames o paciente demorar mais do que isso para ser operado, vai ter que refazer tudo.

Os problemas atingem também hospitais estaduais, federais e universitários. No Instituto Estadual de de Cardiologia Aloísio de Castro, por exemplo, há 1.300 pessoas com o coração ¿ que precisa ser operado ¿ na mão, esperando que o instituto, que realiza entre 20 e 40 cirurgias por mês, faça cem, como promete para daqui a dois meses a subsecretária estadual de Saúde, Alcione Ataíde, que joga a culpa nas outras esferas.

¿ Quando alguém falha, há 1.300 pessoas na nossa fila. O Instituto de Cardiologia poderia atender mais, o Lagoa também ¿ diz Alcione, lembrando que o instituto está sob intervenção por causa de irregularidades na fundação que o administrava.

O Instituto de Cardiologia de Laranjeiras tem 500 pessoas na fila, com tempo médio de espera de seis meses. Regina Xavier, diretora da unidade, diz que a fila, mesmo grande, não representa o número real de pessoas que necessitam de intervenção:

¿ Como o paciente não consegue ser atendido nos postos de saúde, nem sabe que precisa de cirurgia. Só descobre quando o caso se agrava. Nos Estados Unidos, se faz duas mil cirurgias cardíacas por cada milhão de habitantes e na Inglaterra mil por um milhão. O Rio tem cerca de 6 milhões de habitantes e deveria ter 6 mil cirurgias. Nós fizemos 1.300 ano passado e somos o único hospital que opera regularmente. Não temos como dar vazão ¿ lamenta Regina.

Por causa dos problemas, são os pacientes que sofrem. O servidor estadual Vicente de Paula Souza é um dos 3. 858 pacientes na fila do Instituto de Traumato-Ortopedia (Into), que tem esse número assustador por ser referência nacional e único no Rio que opera casos complexos.

¿ Mal consigo subir escada ou calçar meia. Aprendi a conviver com a dor ¿ diz Vicente, que está fazendo o pré-operatório e vai ser o primeiro brasileiro a ser submetido a uma nova técnica para cirurgias de quadril.