Título: ACERTO DE CONTAS
Autor:
Fonte: O Globo, 27/02/2005, Economia, p. 31

Pesadelo da classe média brasileira, o Imposto de Renda (IR) está cada vez mais pesando no orçamento das famílias. Apenas nos últimos quatro anos, a carga tributária das pessoas físicas teve um crescimento de até 70%. E o tamanho da mordida do Leão ficou bem acima da inflação acumulada no mesmo período, de 42%. Com isso, o aumento real da carga (descontada a inflação) chegou a 28,62%. As conclusões são de um estudo realizado pela consultoria Ernst & Young.

O pagamento cada vez maior de impostos no país tira o sono de muitas famílias. Com máquina de calcular em mãos, elas já estão fazendo as contas para apresentar a declaração do IR, a partir da próxima terça-feira até 29 de abril. O engenheiro e economista Carlos Alexandre Salgado Penante e a esposa, a administradora Marisol, estão entre os que reclamam da defasagem na correção da tabela do IR pela inflação, o que eleva os gastos da família com tributos. Eles também criticam o abismo entre o nível de tributação do governo e a qualidade dos serviços públicos oferecidos no Brasil.

Defasagem da tabela chega a 49%

Com o filho Lucca, de 3 anos, numa creche particular, o casal reclama por exemplo dos baixos limites de dedução permitidos pela Receita Federal por dependente ¿ apenas R$1.272 ao longo de todo um ano ¿ e com instrução (R$1.998), além do apetite tributário recorde.

¿ Pagamos tudo duas vezes, desde o colégio até a assistência médica. E não temos nada de volta do governo. A classe média é onerada por isso ¿ diz Marisol, funcionária de uma empresa da área de telefonia.

¿ As correções da tabela do IR foram ridículas, muito abaixo da inflação, e não há contrapartida do governo. O imposto está pesando bastante no orçamento. E se ficar como está a MP (medida provisória ) 232, vai onerar muito mais. Ou se perde serviço e qualidade de vida, ou se aperta mais o cinto que não dá mais para apertar ¿ completa Carlos Alexandre, que trabalha como prestador de serviço na área de informática.

A MP 232, editada pelo governo no apagar das luzes de 2004, aumenta de 32% para 40% a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda sobre o faturamento de prestadores de serviços que optam pelo lucro presumido. Também corrige a tabela do IR em 10%. Para a pessoa física, a correção da tabela é um alívio? É. Mas nem tanto.

O estudo da Ernst & Young mostra que essa correção é insuficiente, por não atualizar toda a inflação. Depois de ficar congelada desde 1996, praticamente durante todo o governo Fernando Henrique Cardoso, a tabela do IR sofreu um reajuste em 2002 de apenas 17,5% ¿ a defasagem hoje chega a 49,15% pelos cálculos da consultoria.

Não é à toa que a carga tributária da pessoa física vai continuar elevada. Segundo a projeção da consultoria, mesmo com a correção da tabela decidida pelo governo Lula (vale só para 2005), a alta da carga este ano para o contribuinte, acumulado desde 2001, vai chegar a 79%.

Este é o caso de uma pessoa que, em 2004, teve um salário bruto de R$33.107 (R$2.758 por mês) e faz a declaração simplificada, usando o desconto padrão de 20%. Esse contribuinte viu a sua carga tributária ¿ considerando o IR e o INSS ¿ pular de R$3.212 em 2001 para R$5.470 no ano passado, um salto de 70%. E para este ano, prevê a consultoria, a mordida vai ser de R$5.764 (79% em cinco anos).

Apesar da correção, `tributação é injusta¿

José Manuel Rainho Silva, sócio da área de Assessoria Tributária da Ernst & Young e coordenador do estudo, diz que as deduções permitidas pela Receita, além do baixo valor, são poucas:

¿ Mesmo com a correção de 10%, não é razoável uma família ter apenas R$117 mensais por dependente para deduzir. No caso de um recém-nascido, só de fralda se gasta isso. Nos últimos anos, o governo tem elevado a carga e a tributação é injusta.

Procurada, a Receita Federal não quis comentar o estudo sobre tributação feito pela consultoria.