Título: Mais uma criança indígena morre de fome
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Fonte: O Globo, 25/02/2005, O País, p. 8

Mais uma criança da Reserva Indígena de Dourados, município a 220 quilômetros ao Sul de Campo Grande-MS, morreu em conseqüência da desnutrição. Jenifer Duarte Gonçalves, uma caiová de 1 ano e 3 meses, foi levada por volta das 3h de ontem ao hospital da Missão Evangélica Caiuá, dentro da reserva, mas morreu antes de ser atendida. Ela pesava menos de cinco quilos, quando deveria pesar, no mínimo, 12. Subiu para quatro o número de crianças indígenas que morreram por desnutrição em Dourados este ano.

A família de Jenifer mora na aldeia Bororó. Segundo o coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Gaspar Hickmann, a menina tinha síndrome de Down e estava entre as 250 crianças com desnutrição monitoradas pela equipe que acompanha os casos na Bororó e na outra aldeia da reserva, a Jaguapiru.

Em centro de reabilitação, 31 crianças internadas

O laudo assinado pelo médico Franklin Amorin Sayão, diretor clínico do hospital, afirma que Jenifer morreu em conseqüência de "desequilíbrio hidroeletrolítico grave", ou seja, desidratação, e também por "desnutrição protéico-calórica grave". No Centro de Reabilitação Nutricional, o Centrinho, estão internadas 31 crianças indígenas, sendo oito da reserva de Dourados e o restante de aldeias de outros municípios da região.

Todos chegaram com desnutrição grave, mas estão se recuperando bem, segundo o pediatra Zelik Trajber. Outra criança da família, de 4 anos e 11 quilos, vem sendo acompanhada pela Funasa.

Por causa das mortes, o Ministério do Desenvolvimento Social anunciou que ampliará o Bolsa Família para as aldeias de Mato Grosso e que distribuirá cestas básicas. Em março deverão ser distribuídas 7.200 cestas e, nos meses seguintes, 1.200 cestas mensais, durante seis meses.

O antropólogo Antonio Brand, que trabalha com os guarani-caiová desde a década de 80, diz que os resultados são pequenos. Segundo ele, o governo vem investindo em ações emergenciais, mas é preciso também projetos de médio e longo prazos. Um dos problemas que precisariam ser resolvidos, segundo Brand, é a ampliação dos territórios.

Para o governo do estado, o problema passa também pela questão cultural. O governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, disse que vem fazendo o que pode:

¿ Na cultura indígena, primeiro os adultos se alimentam e, depois, se sobrar, as crianças. Eles têm a cultura de abandonar os mais fracos.

Problemas sociais se agravam nas aldeias

Para Brand, a discussão não pode seguir por essa ótica:

¿ Se o problema fosse esse, por que só foi percebido na última década?

Brand diz que não há como negar que os guarani-caiová vêm enfrentando problemas como alcoolismo, drogas e crescente violência interna, mas isso resulta de como as comunidades vivem hoje, sem perspectiva e espremidas em suas aldeias. Segundo ele, o governo precisa ensinar os índios a produzir para se sustentar. Os próprios índios comentam que existem pais de família que acabam trocando as cestas básicas por bebida.

Outro aspecto relatado pelas autoridades é que alguns pais resistem em mandar os filhos aos hospitais. A Promotoria da Infância e da Adolescência de Dourados vai investigar a denúncia.

Menina seria internada, diz Funasa

Técnicos notaram queda de peso acentuada

BRASÍLIA. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) divulgou nota informando que a menina morta na aldeia Bororó seria internada hoje no Centro de Reabilitação Nutricional de Dourados (Centrinho). Médicos da Funasa decidiram recomendar a internação depois de constatarem que ela estava com acentuada perda de peso. Mas o quadro se agravou e a menina morreu ontem de madrugada.

A Funasa sustenta que a menina vinha recebendo atendimento das equipes de assistência médica e social do Ministério da Saúde desde o ano passado. Essas equipes são compostas por médicos, enfermeiros e agentes de saúde. Cabe a esses profissionais fazer avaliações semanais de peso e altura das crianças com menos de 5 anos de idade. A assistência teria sido reforçada no início desta semana.

A Funasa diz ainda que, entre 2003 e 2004, caiu a desnutrição em menores de 5 anos na região. Em 2003, 15% das crianças avaliadas tinham desnutrição e 16% estavam em risco nutricional. Os percentuais caíram em 2004 para 12% de desnutrição e 15% de risco nutricional.

Segundo o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Egon Heck, os problemas de saúde e desnutrição só serão resolvidos com a ampliação da reserva e a regularização fundiária. Pelos dados do Cimi, 11 mil índios sobrevivem em apenas 3,5 mil hectares. Diversos grupos indígenas disputam terras entre si e com fazendeiros.

¿ São muitos índios para pouca terra ¿ afirmou Egon.