Título: A América Latina deve tirar proveito do momento
Autor: Alves, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2012, Economia, p. B13

Para o presidente do BID, medidas brasileiras para conter o "tsunami monetário" na região são legítimas e pragmáticas

É legítimo os países da América Latina adotarem medidas para proteger suas moedas e indústrias num ambiente em que sofrem com o "tsunami monetário" provocado pelos países desenvolvidos, ao injetarem bilhões de dólares na economia mundial. Esta é a opinião do presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno.

Em entrevista exclusiva ao jornalista Fábio Alves, da Agência Estado, durante a reunião anual do BID em Montevidéu (Uruguai), Moreno, de 58 anos e ex-embaixador colombiano nos Estados Unidos, defende a política adotada pelo Brasil em relação à guerra cambial.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Num mundo em que o Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos e o Banco Central Europeu (BCE) estão injetando bilhões de dólares para salvar suas economias, o que os países da América Latina devem fazer para proteger suas moedas e indústrias?

Além da injeção de liquidez, o Fed já disse que manterá os juros no nível atual para além de 2013, o que significa que seria lógico o BCE também fazer algo semelhante. Então, haverá dinheiro barato por um tempo e a poupança mundial seguirá para onde existir crescimento econômico. Portanto, a América Latina continuará atraindo investimentos e fluxo de capital nos próximos anos. Tendo dito que as medidas que o Brasil, por exemplo, vem adotando são muito pragmáticas, isto é, as medidas para combater o fluxo de capital de curto prazo, dinheiro que busca a arbitragem de taxas de juros, afetando a moeda brasileira. Esse é o grande desafio que enfrenta hoje a América Latina, especialmente países como a Colômbia e o Brasil. Os países precisam não apenas agir no lado monetário, mas também no lado fiscal.

Esse pragmatismo que o senhor mencionou em relação às medidas tomadas pelo governo brasileiro para se defender é a direção correta que outros países da região deveriam tomar? Nem todos os países da região concordam. O Chile, por exemplo, tem adotado uma política diferente, pois, no passado, a experiência mostrou que esse tipo de medida não ajudou. Assim, o Chile tem deixado o fluxo de capital entrar. O importante é encontrar os instrumentos em cada país para melhor direcionar esse fluxo e canalizar os investimentos.

Os bancos centrais de países desenvolvidos deveriam levar em conta os efeitos negativos sobre a economia mundial antes de adotar as suas medidas de estímulo monetário para salvar suas economias domésticas?

De fato, algumas das políticas de países industrializados estão tendo efeitos negativos na região. Assim, os países da América Latina estão corretos ao demandar aos líderes europeus para resolver seus problemas rapidamente e eliminar os riscos que pairam sobre a economia mundial e afetam nossa região.

A guerra cambial, como foi chamada pelo ministro Guido Mantega, acarretará um aumento do protecionismo no mundo?

Espero que não vejamos um aumento no protecionismo. Certamente haverá, como resultado do que estamos presenciando neste momento, mais disputas comerciais entre os países. Uma maneira de evitar esses contenciosos será por meio de maior negociação, porém de uma forma mais pragmática, lidando com essas questões de curto prazo. O momento que estamos vivendo agora é uma grande oportunidade para a América Latina, porque é quase como se a mesa tivesse sido virada. Hoje, somos os observadores da crise dos outros. Daí, a América Latina deveria se concentrar em tirar melhor proveito desse momento e em fazer o nosso dever de casa, tapando os buracos que ainda temos, como ampliar a inclusão social, introduzir maior produtividade ao setor privado, investir mais na educação, etc.

Nesse meio tempo, como o Brasil e outros países da região podem proteger suas indústrias em meio a essa guerra cambial?

Há medidas de curto prazo que podem ser adotadas, mas no final das contas são medidas estruturais, direcionadas, por exemplo, para ganho de produtividade, que precisam ser tomadas. Outro lado da guerra cambial é que ela forçará as empresas a serem mais produtivas e abertas a mudanças para torná-las mais eficientes.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 17/03/2012 05:57