Título: Em 2012, inadimplência deve se estabilizar
Autor: Alves, Fábio
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/01/2012, Economia, p. B3

Entrevista Murilo Portugal, presidente da Federação Brasileira dos Bancos

Índice terminou 2011 em torno de 7,5%, inferior ao pico na crise de 2009, por conta de uma política monetária mais restritiva

Apesar das sucessivas revisões para baixo do crescimento da economia brasileira em 2011 e em 2012, a taxa de inadimplência nos empréstimos contraídos por pessoas físicas, que vem subindo ao longo deste ano, principalmente nos financiamentos de veículos, não deverá atingir o pico registrado após a crise de 2008, segundo o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal. Para ele, um crescimento de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2012, como projetam analistas ouvidos pelo Banco Central, não é um resultado ruim. Com isso, a taxa de inadimplência deverá estabilizar-se por volta de 7,5%. Em entrevista à Agência Estado, .Portugal, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, justifica o socorro recente a bancos brasileiros pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Entre essas operações, ganhou destaque a injeção de bilhões de reais pelo FGC para cobrir o rombo do banco Panamericano. "São sempre decisões mais difíceis e controvertidas." A seguir, trechos da entrevista .

• Quais as perspectivas para o crédito em 2012? São favoráveis. O Brasil já tem há vários anos um forte crescimento do crédito, aliás um crescimento mais rápido do que a economia como um todo, e acho que isso vai prosseguir .. Em 2011, haverá um aumento em tomo de 18%, que é uma pequena desaceleração em relação a 2010, quando houve uma expansão de 20%. Ainda assim é uma alta bastante forte. Para 2012, com base numa pesquisa que a Febraban faz com as áreas de Tesouraria dos bancos, a perspectiva é de um crescimento da carteira total de crédito em tomo de 16%

• E que segmentos na área de crédito deverão registrar maior demanda? O tipo de crédito que vai ter um crescimento mais forte é o direcionado, ou seja, o crédito que é dado a taxas subsidiadas pelos bancos públicos. Isso já vem ocorrendo há alguns anos, foi uma coisa que se acentuou durante a crise de 2008 e 2009. De lá para cá, houve uma redução, mas ainda assim o crédito direcionado tem crescimento mais rápido do que o crédito total e o crédito com recursos livres. Em 2011, por exemplo, cresceu em tomo de 22% enquanto a carteira total subiu 18%. Em relação aos recursos livres, isto é, o crédito não direcionado, que cresceu neste ano 16%, deverá haver uma expansão de 15% em 2012.

• Com qual cenário para a crise da zona do euro a Febraban trabalha para 2012 e que impacto a crise deverá ter sobre os bancos brasileiros? O cenário geral para a economia internacional em 2012, em particular para os países desenvolvidos, é marcado por um crescimento baixo, desemprego alto e por volatilidade e incertezas grandes nos mercados financeiros. Um crescimento baixo nos EUA, embora a situação lá venha melhorando gradualmente, e um avanço mais baixo ainda para a Europa, certamente com recessão naqueles países mais afetados pela crise, como Grécia e Portugal. No Japão, esperamos uma recuperação da economia. Os países emergentes, em melhor situação do que os países desenvolvidos, vão continuar crescendo a taxas mais elevadas, porém com alguma desaceleração em comparação com este ano. Na Europa, a situação é difícil. Apesar de já terem sido tomadas medidas importantes, eles ainda não conseguiram reverter as expectativas de mercado. Há vários motivos para isso: primeiro, embora as medidas adotadas tenham sido numerosas e importantes, elas foram sempre adotadas com atraso e a reboque das pressões de mercado. Segundo, há muita dúvida ainda de que os países mais diretamente afetados pela crise vão ter condições de implementar os programas de ajustes por um período de tempo longo. Terceiro, não há clareza sobre qual seria o plano de emergência caso houvesse um acidente de rolagem das dívidas ou um problema bancário sério em um dos países sistêmicos.

• E o impacto sobre o Brasil? O Brasil está preparado para resistir à deterioração do cenário , exterior graças a solidez macroeconômica e aos colchões de liquidez acumulados através dos anos, tanto as reservas internacionais quanto o colchão de liquidez interno representado pelos depósitos compulsórios. Os bancos brasileiros têm uma posição sólida em termos de capital e de liquidez. A exposição direta ao risco europeu dos bancos brasileiros é só 4,6% dos ativos totais. Mas, pela magnitude da crise e pela importância da Europa no mundo, e claro que vai haver sempre um impacto no mundo inteiro, a oferta de crédito tende a diminuir e a encarecer um pouco.

• 2011 foi um ano difícil para os bancos médios no Brasil, com aumento nos custos de captação após o rombo do Panamericano. O sr. vê uma onda de consolidação entre esses bancos em 2012. Não. É lógico que existe sempre no mundo, e no setor financeiro especificamente, uma tendência à consolidação. Não é um setor que tenha milhares de empresas participando; no Brasil, são 157 bancos. Não prevejo intensificação desse processo de consolidação. E não acontece só nos bancos pequenos e médios, a exemplo da consolidação do Itaú e Unibanco. No caso dos bancos pequenos, eles são mais dependentes de captações no mercado de atacado de dinheiro do que os bancos grandes. Por outro lado, não têm a desvantagem de um custo fixo de overhead muito alto como os grandes, ou seja, têm custos menores, tendem a ser mais ágeis e ocupar melhor alguns nichos de mercado.

• As primeiras regras da Basileia 3 entraram em vigor este ano. Como ficarão os bancos médios em termos de ajustes de capital? O Brasil, em geral, está numa posição boa. A regulação aqui tem sido mais forte do que os padrões internacionais. Em Basileia 1, o nível mínimo de capital era 8% dos ativos totais, e o Brasil tinha regulação fixando esse nível em n%. E, na verdade, os bancos brasileiros estão próximo de lo, portanto acima da média mundial. Quando todos os componentes de Basileia 3 estiverem completamente ativados, em 2019, inclusive o colchão anticíclico, então o índice terá de ser aumentado no mundo para 10,5%. Não vejo problemas significativos para o Brasil. Na verdade, o BC ainda não divulgou corno vai ser a implementação de Basileia no Brasil, embora já tenha divulgado um primeiro comunicado dando algumas indicações, mas não acredito que isso seja possível de ser implementado antes de meados de 2012 . • Com uma expectativa de crescimento econômico para 2011 menor do que era projetado no começo do ano, a taxa de inadimpLência, que já vem subindo, poderá chegar a que níveL? . O crescimento que vem sendo esperado pelo mercado para 2012 é de 3,4%, que não é um resultado ruim quando se considera um cenário externo desfavorável e nem considerando a . taxa de crescimento histórica do Brasil. A taxa tendencial de crescimento do PIE brasileiro na década passada, de 2001 a 2010, foi de 3,6%. Comparar essa expectativa para 2012 com a taxa de crescimento de 7,5% registrada pela economia em 2010 não é correto porque em 2010 a economia brasileira estava saindo de uma recessão, tinha uma capacidade ociosa elevada e estava crescendo de uma base menor. É verdade que a inadimplência cresceu em 20n porque o BC no início do ano adotou uma política monetária mais restritiva, com aumento de juros e medidas macroprudenciais, e i.5so lógico teve um impacto que se traduziu num aumento da inadimplência no caso de pessoas físicas, mais ligado aos empréstimos de veículos, mas não houve aumento na inadimplência de pessoas jurídicas. E, mesmo no caso das pessoas físicas, a taxa de inadimplência em 20n, que está em torno de 7,5%, 7,6%, ainda é inferior ao pico verificado na crise de 2009, que foi de 8,5%. Então, acho que vai haver uma tendência de estabilização nessa taxa de inadimplência . • Qual a avaliação do sr. da atuação recente do FGC? O FGC é um fundo de garantia de depósitos no Brasil. As funções tradicionais desses sistemas de seguros de depósitos em todo o mundo são proteger os depositantes até um determinado valor, contribuir para a estabilidade financeira e preservar a confiança no sistema bancário. São funções que são feitas pelo FGC em conjunto com outros mecanismos públicos de auxílio a esses objetivos, principalmente desempenhados pelo Banco Central. É claro que a função de preservar a estabilidade financeira e a confiança no sistema é função clássica de um banco central. Isso não é diferente no Brasil. Acho que, no geral, desde que foi criado, em 1995, o FGC exerceu um papel positivo no sistema bancário brasileiro. Durante a crise de 2008, atuou com o BC para prover a liquidez do sistema. Mais recentemente, ajudou na resolução de alguns bancos. São eventos sempre difíceis, e com decisões que são sempre mais controvertidas e têm de ser tomadas de uma forma urgente, então é sempre possível ouvir sugestões de melhoria da atuação do Fundo nessas circunstâncias de estresse .. O Fundo tem aprendido com cada caso. • É função do FGC resgatar bancos ou isso seria de responsabilidade única do Banco Central? Não são as funções que eu acho que o Fundo deveria ter e sim são as funções estabelecidas na resolução do BC e nos estatutos do Fundo e que são as que eu já mencionei. Existem uns princípios internacionais para o funcionamento efetivo de seguros de depósitos, estabelecidos pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS) com a associação internacional de entidades de seguros de depósitos, que estabelecem essas funções e que são as mesmas que o FGC opera no Brasil. • Se for para resgatar bancos no âmbito do FGC, que tipos de bancos deveriam ser priorizados? Como bancos priorizados? Você não prioriza. Quando tem um problema, você não prioriza ... Vou resgatar esse ou aquele. E não cabe a mim responder de qualquer maneira. • Em 2012, haverá uma troca de comando do FGC. Que tipo de perfil seria mais indicado para o novo presidente do Fundo? Não sei, porque não cabe a mim tomar essa decisão. Não sei nem se vai haver troca de comando ou não. Eu li isso no jornal,sei quanto você.