Título: A carga tributária de 2014
Autor: Werneck, Rogério L. F.
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2010, Economia, p. B2

Mesmo um relógio parado mostra a hora certa duas vezes por dia. Na semana passada a campanha eleitoral - vazia, modorrenta e escapista - esbarrou, por mero acaso, numa questão fundamental. Instados pela mídia, Dilma e Serra viram-se obrigados a discordar de Lula sobre a carga tributária. O ruído durou pouco. A campanha logo voltou ao seu leito natural. Mas o raro e pequeno surto de relevância merece atenção.

Para desqualificar críticas à carga tributária, o presidente lançou mão de um velho truque diversionista a que o governo recorre com frequência: rotular qualquer censura ao peso do Estado na economia como reles "defesa do Estado mínimo". Desta vez, o argumento de sempre veio em nova embalagem. Para justificar a carga tributária no Brasil, Lula alegou que países onde a arrecadação mal chega a 10% do PIB não têm Estado. "O Estado não pode fazer nada." O argumento não convenceu nem mesmo a candidata governista. Tanto Dilma como Serra se viram compelidos a discordar do presidente e externar preocupações com a carga tributária no País.

Não há ninguém defendendo, em sã consciência, que a carga tributária seja reduzida de 36% do PIB para 10%. A discussão que importa e que deveria ocupar o centro das atenções na campanha eleitoral é bem distinta. O que se tornou absolutamente crucial é sustar a elevação da carga tributária que vem tendo lugar, ano após ano, há uma década e meia. Trata-se de discutir como mudar o atual regime fiscal para que, dentro de quatro anos, ao fim do próximo mandato presidencial, o País não esteja arcando com carga tributária ainda mais alta, beirando, quem sabe, 40% do PIB.

Que prioridade o novo ocupante do Planalto poderá vir a atribuir a tal desafio? É bom não alimentar ilusões. Vai ser preciso bem mais do que vagas declarações de preocupação com a elevação da carga tributária. Sem desmontar os mecanismos subjacentes à expansão explosiva do gasto público, não há como conter a elevação da carga tributária. Mas é pouco provável que o novo presidente esteja disposto a empatar seu precioso capital político no embate com os grupos de interesse encastelados no Orçamento. Caso queira evitar esse embate, poderá recorrer a ampla gama de racionalizações. Há quem alegue, por exemplo, com ar calejado, que a ideia de que tais grupos possam ser desencastelados é "coisa de quem não conhece Brasília". Na verdade, esse fatalismo conformista tem implicações ainda mais sérias do que parece à primeira vista. Além de desestimular iniciativas de contenção da expansão do gasto público e esforços de racionalização dos programas de dispêndio existentes, essa racionalização sugere que o governo não pode prescindir do aumento de carga tributária, porque é só com base nele que poderá viabilizar novos programas de dispêndio que considere prioritários.

O pior é que o desestímulo à contenção de gasto deverá ser intensificado pela ampla facilidade de aumento da carga tributária com que contará o novo presidente. Há muitos anos vêm havendo avanços espetaculares na informatização do País, tanto nas empresas como nas máquinas fazendárias dos três níveis de governo. Notável é que esses dois processos que, em boa medida, avançaram de forma independente, passaram a ser integrados pela internet, com a rápida disseminação da nota fiscal eletrônica. Mantidos os parâmetros tributários, isso deverá ter enorme impacto no desempenho da arrecadação.

Na esteira da redução da sonegação e da corrupção, os três níveis de governo deverão ser agraciados com grande bonança na coleta de tributos. O ideal seria que tal ampliação da base fiscal desse lugar a uma redução criteriosa de alíquotas que mantivesse a carga tributária no nível atual. Mas quem acredita nisso?

É ingênuo esperar que o vencedor da eleição presidencial, seja ele quem for, terá as convicções necessárias para abrir mão dessa possibilidade de aprofundamento da extração fiscal. Preparem-se, portanto, para nova e substancial escalada da carga tributária nos próximos quatro anos.

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO