Título: Colisão de partículas reproduz início do universo e abre nova era da Física
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2010, Vida, p. A21

Num evento que abriu um nova era da Física, o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) promoveu ontem, num túnel subterrâneo na fronteira entre a Suíça e a França, colisões de partículas para tentar reproduzir condições existentes na origem do universo, na maior e mais cara experiência científica já feita. O experimento vai permitir, em tese, que cientistas descubram o que aconteceu um nanossegundo após o Big Bang, 13,7 bilhões de anos atrás.

Dois feixes de prótons circulando em direção oposta no túnel de 27 quilômetros do Grande Colisor de Hádrons (LHC), cada qual com energia de 3,5 TeV (trilhões de elétrons-volt), colidiram e liberaram uma energia recorde de 7 TeV. As partículas são aceleradas a uma velocidade tão alta que cada próton dá 11 mil voltas por segundo no anel.

"A última revolução que tivemos na Física ocorreu há cem anos, com a teoria da relatividade. Hoje, a porta foi aberta e o que fizemos nessas primeiras horas foi apenas espiar o que existe do outro lado. Eu posso garantir: o novo território é fascinante", afirmou Jurgen Schukraft, responsável por um dos detectores. O professor da Uerj e colaborador do Cern, Alberto Santoro, é da mesma opinião: "Hoje, iniciamos uma nova era."

Cientistas deixaram claro que os resultados ainda levarão meses, senão anos, para serem decifrados pela máquina de US$ 10 bilhões que levou 16 anos para ser construída. Ontem, tudo o que os cientistas conseguiram foi permitir que as partículas se chocassem a uma energia sem precedentes. Mesmo que dezenas de pistas sobre os segredos da natureza tenham sido geradas, ninguém ainda soube decifrá-las.

Santoro explicou que a grande preocupação nas próximas semanas será calibrar o equipamento para permitir a exatidão dos dados. Outro cientista brasileiro, Denis Damazio, indicou no início da noite que os trabalhos com ciência pura já haviam começado. "As melhores informações já foram selecionadas e começam a ser avaliadas. Já começamos a fazer física", disse.

Cada colisão entre as partículas criou uma explosão - chegaram a ser contabilizados 50 choques por segundo. O volume de dados gerados a cada dois segundos equivale ao de um arquivo em DVD.

Quatro detectores gigantes - Alice, Atlas, CMS e LHCb - foram instalados e cada um ficará responsável por tentar mapear uma área do desconhecido.

Na agenda do Cern está o trabalho de decifrar alguns dos quebra-cabeças mais profundos da humanidade: a origem da massa, como forças no universo se mantêm coesas e, principalmente, a presença de matéria negra.

Caberá ao experimento Alice descobrir o que ocorreu no momento após o Big Bang. O objetivo não é o de entender o passado, mas saber como a expansão do universo ocorre e, portanto, desvendar o futuro do mundo.

No centro do debate está ainda a comprovação da partícula bóson de Higgs. "Se identificarmos que ela existe, estaremos dando uma nova visão para o universo", afirmou Guido Tonelli, responsável pelo projeto CMS. A partícula teria um papel profundo na estruturação do universo e sua identificação explicaria por que a matéria tem massa.

O acelerador só atingirá sua potência total em 2013. Por enquanto, apenas mostrou que funciona e que é seguro. Na primeira tentativa de colocar o LHC em operação, em setembro de 2008, um sério acidente comprometeu o equipamento . No fim de 2009, o acelerador voltou a funcionar com metade da potência.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. O que é o LHC? É o maior acelerador de partículas já construído. A estrutura promove colisões de partículas chamadas prótons.

2. O que os pesquisadores procuram? As colisões de prótons produzem partículas ainda menores, que surgem e desaparecem em frações de segundo. Elas são fundamentais para entender como o universo funciona.

3. As descobertas terão alguma aplicação prática? Os cientistas não sabem qual será o impacto das descobertas. Mas poderão ter aplicações médicas ou na indústria.

4. Quais dúvidas teóricas podem ser respondidas? Entre os principais objetivos do experimento estão encontrar as partículas que compõem a matéria escura, o bóson de Higgs - partícula que dá massa às demais - e determinar se realmente existem minúsculas dimensões ocultas no espaço.