Título: Civis patrulham fronteira pela internet
Autor: Machado, Renato ; Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2010, Internacional, p. A18

Internautas acompanham imagens transmitidas por câmeras instaladas na linha que separa o Texas do México

A imensidão e as condições naturais transformam parte da fronteira entre os EUA e o México em uma verdadeira terra de ninguém. São mais de 3 mil quilômetros de deserto e mata fechada. Áreas propícias para a entrada de imigrantes ilegais e traficantes. Na tentativa de reverter as adversidades, o governo do Texas está utilizando a tecnologia para transformar pessoas comuns em patrulheiros da fronteira. A medida, porém, desperta a crítica de muitos especialistas, que alertam para uma possível "cruzada" contra os imigrantes.

O site BlueServo.net permite aos usuários monitorarem pela internet o que se passa na fronteira do Texas com o país vizinho, considerada a mais problemática, principalmente por áreas que impedem uma fiscalização mais presente dos agentes. "As câmeras foram instaladas porque nós temos áreas desertas e montanhosas no Estado, algumas delas de difícil acesso e até mesmo sem energia elétrica", disse ao Estado, por telefone, Donald Reay, diretor executivo da Coalizão dos Xerifes da Fronteira do Texas. "É uma área propícia para se cometer um crime e depois voltar para o México. Por isso tínhamos de encontrar formas de fiscalizar essas regiões."

Por meio de uma parceria com a empresa privada BlueServo, foram instaladas 29 câmeras em diversos pontos da fronteira, que fazem o monitoramento da região 24 horas por dia. Todas as imagens são transmitidas no site da companhia, onde há um campo para os usuários relatarem alguma irregularidade que possam ter visto. As mensagens são direcionadas instantaneamente para um posto de controle do xerife, que avisa a patrulha da fronteira.

A atividade parece estar virando mania. Desde que entrou no ar, em novembro de 2008, o site já recebeu mais de 61 milhões de visitas e mais de 147 mil pessoas de 189 países já se cadastraram no programa. "Existe uma grande frustração do povo americano com a falta de controle na fronteira, então muitos deles recorreram à internet para criar uma rede própria de vigilância", explicou Gebe Martínez, analista de políticas para a imigração do Center for American Progress, em Washington. "A abordagem utilizada por essas pessoas, no entanto, é menos profissional e mais parecida como um "Big Brother" da fronteira."

De acordo com Gebe, o programa não é eficaz e representa um risco para a segurança dos residentes da região. "Esse programa dá aos cidadãos a perigosa percepção de que é possível fazer a justiça com suas próprias mãos", afirmou a analista. "Essa iniciativa acaba criando uma atitude negativa em relação aos imigrantes."

Reay, por outro lado, afirma que o principal objetivo do programa é combater a criminalidade na área fronteiriça e não coibir a imigração ilegal. Segundo ele, embora o programa ajude a combater a entrada ilegal no país, os casos são entregues para o setor de imigração, que é de jurisdição federal.

CRIME E ILEGALIDADE

Entre as principais preocupações na linha que divide os dois países está a crescente violência na batalha entre cartéis mexicanos pelo controle da região - considerada a principal porta de entrada de drogas para o mercado americano - e a imigração ilegal. "Na esperança de combater essas questões, o governo dos EUA está construindo barreiras físicas e virtuais, mas o resultado dessa iniciativa criou outro problema: as mortes na fronteira", afirmou Jonathan Hicken, pesquisador do programa de Migração Mexicana do Centro de Estudos Comparativos de Imigração, em San Diego.