Título: Os limites de Dubai
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2009, Economia, p. B15

Investidores de todo o mundo ficaram muito ofendidos com a decisão tomada por Dubai permitindo que sua principal empresa privada, Dubai World, buscasse uma interrupção de seis meses (implicando uma moratória pelo menos parcial) nos pagamentos referentes aos seus cerca de US$ 26 bilhões em dívidas. O que exatamente esperavam este investidores quando compraram títulos da dívida de empresas com nomes como "Limitless World" (Mundo sem limites), uma das subsidiárias falidas da Dubai World no ramo imobiliário? Trata-se de um caso exemplar da mentalidade que leva à formação de bolhas.

Imagino que a ideia fosse a seguinte: o governo do emirado garantiria qualquer empréstimo, não importa o quão arriscado. Se o governo de Dubai, pobre em petróleo, não dispusesse do dinheiro, então de alguma forma seu estado irmão Abu Dabi, rico em petróleo, ofereceria a quantia exigida.

Uma expectativa absurda, pode-se pensar. Mas isso não seria mais improvável do que muitos dos imensos resgates que testemunhamos em todo o mundo na sequência da última crise financeira. O que deixou os investidores realmente descontentes foi, é claro, perceber que um dia as garantias sobre dívidas insustentáveis terão de ser retiradas. No fim, um mundo excessivamente alavancado terá de encontrar uma forma de reduzir o fardo do endividamento, e este processo não será agradável para todos.

Há quem festeje o que é visto como um castigo para as ambições desproporcionais do atrevido Dubai. Não compartilho dessa opinião. É verdade que, com suas ilhas criadas pelo homem, seus hotéis simulando Veneza e suas quadras de tênis na cobertura de arranha-céus, Dubai é um castelo de areia transposto para o mundo real. Ainda assim, Dubai também mostrou as resto do Oriente Médio o que o espírito empreendedor é capaz de realizar.

Seu aeroporto se tornou um ponto central do transporte global de tamanha importância que os reguladores alemães tiveram de obrigar a Emirates Airlines a aumentar o preço de suas passagens até Frankfurt, para evitar que a campeã alemã Lufthansa perdesse muitos de seus fregueses. Com a relativa abertura de seus mercados de bens e de capitais, Dubai se tornou um centro comercial não apenas para todo o Oriente Médio, mas também para regiões da África e da Ásia. Na véspera da crise financeira, outros países do Golfo começaram a observar Dubai na tentativa de descobrir uma maneira de diversificar suas economias e continuar prosperando quando as reservas de petróleo se esgotarem.

É verdade que Dubai é um estado autocrático onde as finanças são controladas com rigidez e sigilo. De fato, a falta de informações detalhadas sobre as finanças dos Emirados foi um dos principais motivos de a moratória da Dubai World ter sido recebida com tamanho choque.

Mas, sob muitos aspectos, os governantes de Dubai se mostraram notavelmente tolerantes em relação à liberdade de expressão. Há um ano, participei de uma noite de apresentações feitas por artistas locais na Universidade de Dubai. Um deles, fotógrafo dos Emirados, apresentou uma linha do tempo visual retratando a construção de uma das estações do novo sistema de metrô de Dubai. Esse artista local tinha testemunhado a impressionante transformação da cidade-Estado ao longo dos últimos 13 anos, impulsionada pelo tipo de boom na construção que costumamos associar às cidades chinesas de crescimento mais rápido, e não ao Oriente Médio.

Em vez de simplesmente elogiar as novas construções do governo, o artista enfatizou o quanto a mudança deixa perplexos os moradores de longa data. Como se dá a relação entre o indivíduo e os objetos inanimados que se erguem das majestosas e desoladas areias do deserto? Outro artista apresentou uma proposta de como a iluminação externa poderia ser empregada para transformar os minaretes, ajudando a destacá-los contra a paisagem de prédios modernos que caracteriza a cidade do Oriente Médio contemporâneo. Suas propostas eram magníficas e, aparentemente, algo radicais. A possibilidade de tais ideias serem expressadas abertamente era de impressionar.

Aqueles familiarizados com Dubai compreendem que esses são apenas pequenos exemplos de uma valorização muito mais ampla da criatividade, o que permitiu ao país cortejar uma elite de profissionais estrangeiros da indústria financeira e de outros ramos. De modo semelhante ao observado nos Estados Unidos, uma elite de estrangeiros desempenhou em Dubai um papel-chave no desenvolvimento das várias indústrias de serviços.

É claro, outros países do Golfo devem receber o crédito pelos próprios feitos extraordinários. A empresa estatal de petróleo da Arábia Saudita consolidou grande experiência nas perfurações, conquistando a admiração de todo o mundo. Qatar obteve sucesso na mídia com a Al Jazeera, enquanto Abu Dabi ajudou a promover notáveis avanços no ramo da inteligência artificial por meio do patrocínio oferecido aos programas de xadrez. Mas Dubai, dotado de pequenas reservas próprias de petróleo, construiu mais do que todos os outros países da região, valendo-se de menos recursos.

Infelizmente, Dubai sempre esteve vulnerável às leis da gravidade financeira. Dessa vez não foi diferente. A especulação excessiva e o apetite insaciável por empréstimos levaram a um endividamento insuportável e, finalmente, à moratória.

Será este o fim da linha para o crescimento épico de Dubai? Duvido. Em todo o mundo, ao longo da história, países declararam moratória de suas dívidas e sobreviveram para contar sobre o episódio, chegando até a prosperar. Não há como evitar a necessidade de se reestruturar e podar os excessos de Dubai antes que o país possa retomar uma trajetória de crescimento mais sustentável, mas para que isso ocorra é necessário tempo.

Será que países vulneráveis na Europa e no resto do mundo serão contagiados? Ainda não. Apesar de o caso de Dubai não ser diferente, ele é especial, e assim os efeitos sobre a confiança dos investidores devem continuar restritos por enquanto. Mas os investidores estão aprendendo do modo mais difícil que nenhum país goza de recursos e possibilidades sem limites.

*Kenneth Rogoff é professor de economia e medidas públicas na Universidade Harvard