Título: Líder americano vive momento Kennedy
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2009, Internacional, p. A12

Obama deve repetir estratégia adotada no Vietnã e limitar o papel militar dos EUA no Afeganistão

Imagine a cena a bordo do Air Force One, o avião presidencial americano, estacionado na pista em Copenhague na última sexta-feira. Barack Obama está exausto. Voou sobre o Atlântico à noite para apoiar Chicago na disputa pela Olimpíada de 2016. Ele também está se sentindo humilhado, pois seu empenho em prol de sua cidade adotiva foi sumariamente rejeitado. O Rio ganhou - e Michelle não está de muito bom humor.

Exausto, o presidente enfrenta um longo voo para casa. E sabe que voltará para uma Casa Branca sitiada. Saúde, economia e uma série de questões espinhosas estão desgastando um primeiro mandato que começou muito promissor.

Entra cambaleando no cabine de Obama o general Stanley McChrystal, o comandante dos EUA no Afeganistão.

O general, que voou até a Dinamarca após se encontrar com o premiê Gordon Brown em Londres, vem insistindo na adição de 40 mil soldados às forças americanas para evitar o que ele adverte ser um desastre estratégico.

O resultado? Obama aceita o encontro, conforme planejado, e por 25 minutos ele e McChrystal ruminam sobre vários cenários afegãos. Essa revisão completa determinará não só o futuro das operações militares americanas, mas também poderá selar o destino do governo manchado pela fraude do presidente Hamid Karzai.

Tendo se precipitado no começo deste ano, Obama está pensando duas vezes. E a questão final é: ele reduzirá o envolvimento, cortará e fugirá - como interpretarão os falcões republicanos? Ou acatará McChrystal e autorizará reforços, ante uma guerra em ampliação e indefinida, e se arriscará a um "segundo Vietnã" - como encaram democratas assustados?

O ataque no fim de semana do diplomata Peter Galbraith, alegando que a ONU foi cúmplice da fraude eleitoral, é a mais recente de muitas considerações que impelem Obama a repensar a escalada. A manipulação eleitoral deu ao Taleban sua "maior vitória estratégica em oito anos", disse Galbraith. "Obama precisa de um parceiro afegão legítimo." Para Galbraith e muitos no Congresso dos EUA, o presidente simplesmente não tem nenhum.

Pesquisas de opinião mostram um mergulho do apoio público à guerra. Somente 26% acreditam que mais tropas americanas deveriam ser deslocadas.

A recusa da maioria dos países da Otan de partilhar o ônus e a estudada ambiguidade mesmo dos leais britânicos sobre aumentos de tropas se combinam para enviar uma mensagem tácita ao presidente: você está travando uma batalha perdida.

De George Will da direita a Thomas Friedman e Bob Herbert da esquerda liberal, está se formando um consenso de que Obama precisa mudar a política de contenção, usando forças especiais, ataques aéreos e dinheiro numa campanha definida contra a Al-Qaeda.

Esqueça a construção de nação, dizem eles. Não tente erradicar o Taleban, pois você não pode. Em vez disso, encoraje a "afeganização", treinando a polícia, o Exército e líderes civis para se sustentarem nas próprias pernas. Aprenda lições da história imperial britânica e soviética. E não são apenas os comentaristas.

Essa mudança é instigada vigorosamente a Obama por seu vice-presidente, Joe Biden, e por democratas.

Ainda não está claro para qual lado Obama deverá saltar. Ele pode até se esquivar e tentar um caminho do meio, que não satisfaria a ninguém.

Mas uma conjuntura decisiva se aproxima inexoravalmente. Salientando essa visão, o colunista Frank Rich, do New York Times, traçou um paralelo com a presidência de John F. Kennedy. Todas as recomendações dos comandantes militares de Kennedy e do Pentágono defendiam uma escalada no Vietnã, recorda Rich.

Líderes militares fizeram lobby por sua nova missão, plantando vazamentos na imprensa. Kennedy contra-atacou autorizando seus próprios vazamentos, que, como os de Obama, indicaram suas reservas sobre se forças de combate americanas poderiam transformar uma estratégia de contrainsurgência numa guerra ganhável, escreve Rich.

"Embora Kennedy estivesse em minoria na sua própria Casa Branca - e embora tivesse chamado um dia o Vietnã de "a pedra angular do mundo livre no Sudeste Asiático" - ele acabou se recusando a autorizar tropas de combate. Em vez disso, limitou o papel militar americano a missões consultivas. Essa política, estabelecida em novembro de 1961, só seria revertida, para um fim trágico, depois de sua morte."

Talvez a história se repita. Para o Obama sobrecarregado e sofrendo de jet lag, o Afeganistão está parecendo cada vez mais seu momento Kennedy.

*Simon Tisdall é comentarista político britânico