Título: Aceleração do consumo familiar acionou alarme
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2008, Economia, p. B4

No último trimestre do ano passado, crescimento foi de 8,6% em relação ao mesmo período do ano anterior

Os primeiros sinais realmente preocupantes sobre o ritmo de crescimento do consumo das famílias vieram na divulgação dos dados do Produto Interno Bruto (PIB) de 2007. No ano passado, o indicador cresceu 6,5%, mais de 1 ponto porcentual acima do PIB, que teve expansão de 5,4%. Mas foi a aceleração no último trimestre que alarmou vários analistas e o próprio Banco Central (BC). Em relação ao mesmo período de 2006, o crescimento do consumo das famílias no quarto trimestre de 2007 bateu em 8,6%.

Comparado com o trimestre imediatamente anterior, na série dessazonalizada, o avanço do consumo das famílias nos últimos três meses de 2007 chegou à marca fortíssima de 3,7%, o que significa um salto de 15,6% em termos anualizados. Foi o maior crescimento nessa medida desde o terceiro trimestre de 1996 (4,3%), mas, mais do que isso, representou a quebra de um padrão seguido há pelo menos quatro anos.

Desde que a economia saiu da crise de 2002 e 2003, o crescimento do consumo das famílias obedeceu a um ritmo constante e gradual, nunca chegando a 2% num trimestre ante o anterior. A expansão dos investimentos exibiu números bem mais exuberantes no mesmo período, com expansões trimestrais, no mesmo critério de comparação, na casa de 3% ou de 4%, o que significa ritmos anualizados chegando a beirar os 20%.

Do ponto de vista da política monetária, o crescimento dos investimentos bem acima do consumo das famílias era um fator de tranqüilidade. Ambos pressionam a demanda, mas, enquanto as famílias respondem por 61% do PIB, os investimentos têm apenas 18%. Além disso, a médio e longo prazos, os investimentos ampliam a capacidade produtiva, permitindo que uma demanda maior provoque menos pressões inflacionárias.

A MB Associados prevê que o consumo das famílias cresça 6% em 2008, com um pequeno recuo ante os 6,5% do ano anterior, e os investimentos tenham expansão de 9,7%, comparada com 13,4% em 2007. ¿O consumo continua muito forte¿, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB, acrescentando que sua projeção de crescimento no primeiro trimestre de 2008 (o dado oficial será divulgado em junho) é de 8%, na comparação com igual período de 2007. Vale notar que o comércio varejista cresceu impressionantes 12% no primeiro trimestre, comparado com o mesmo período do ano anterior.

Apesar do otimismo, o economista ressalva que o crescimento da renda real está em desaceleração, em razão da alta dos alimentos, o que já está levando à perda de consumo em itens como bebidas. ¿As pessoas de classe baixa que consomem arroz, batata, pão, e vêem todos esses produtos subindo, têm de diminuir alguma coisa, e o que se corta primeiro são refrigerantes, cervejas, sucos¿, explica Vale.

A maioria dos economistas aposta que o BC vai exercer sua autonomia informal na gestão da política monetária e vai subir os juros até que o consumo das famílias entre num ritmo de crescimento compatível com o controle da inflação no médio e longo prazos. No caso da MB, a projeção é que a Selic saia dos atuais 11,75% até 14% no fim do ano, o que significa um aumento médio de 0,65 ponto em cada uma das cinco reuniões previstas.

A visão, porém, é de que essa escalada não terá maiores efeitos em 2008, nem em termos de contenção do consumo nem da inflação, que deve chegar a 5,24%, segundo a média das últimas projeções do mercado. A MB prevê que o consumo das famílias recue para 4,5% a 5% em 2009, com o PIB chegando a 4,2%, em desaceleração ante a projeção de 4,8% para 2008.