Título: O BC reafirma sua política
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2008, Notas e Informações, p. A3

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, mandou um recado não só a empresários, trabalhadores e investidores do setor financeiro, mas também ao governo, quando reafirmou a intenção de continuar trabalhando por uma inflação de 4,5%, ponto central da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A mensagem aos mercados tem um objetivo evidente: quem apostar num afrouxamento da política monetária fará mau negócio. A advertência poderia ser desnecessária noutra ocasião, mas não depois de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, haver feito declarações no mínimo ambíguas sobre a acomodação da inflação num ponto mais alto do alvo. Ele negou, depois, haver defendido maior tolerância à alta de preços, mas não foi convincente.

O presidente do BC procurou deixar claro um ponto: dadas as pressões, o resultado final poderá ser diferente dos 4,5%, mas, se isso ocorrer, não será porque a política monetária tenha ficado mais leniente. Não se pretende, portanto, acomodar a alta de preços.

Na próxima reunião do CMN, segundo Meirelles, a discussão será sobre a meta para 2010. Mudanças na política traçada para este ano e para 2009 não estão na pauta. Se a agenda for alterada, será, portanto, por iniciativa de algum dos outros membros do conselho - o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o ministro da Fazenda. A posição do presidente do BC parece estar suficientemente esclarecida.

O presidente do BC manteve, na entrevista concedida à Agência Brasil, a habitual diplomacia em relação às atribuições do Executivo e do Legislativo. Não criticou a gastança e falou na complexidade das decisões sobre o orçamento. Mas admitiu: um aumento do superávit primário proporcionaria vantagens importantes. Meirelles mencionou só dois efeitos encadeados: a relação entre a dívida pública e o PIB cairia mais velozmente e isso permitiria a redução da taxa básica de juros. Foi bastante diplomático para não vincular o gasto crescente do governo ao excesso de demanda, mas não deixou de referir-se a esse desequilíbrio macroeconômico.

O aumento da inflação, disse Meirelles, não decorre apenas da alta de preços de alimentos (do "feijãozinho", como disse recentemente o ministro da Fazenda). A inflação em alta é um fenômeno bem mais amplo e envolve o encarecimento do petróleo, dos metais, dos minerais não metálicos, de produtos químicos e de outros componentes do Índice de Preços por Atacado. Também os preços dos serviços, lembrou Meirelles, estão em alta. Há uma demanda aquecida, acrescentou, e isso gera riscos de repasses mais amplos ao varejo. Não entrou em detalhes, mas poderia ter mencionado as análises dos últimos indicadores. Mesmo nos preços do varejo a difusão já é muito alta, com aumentos em mais de 60% dos itens pesquisados.

Ficou para o leitor a tarefa de vincular os dois pontos - a referência ao efeito inflacionário da demanda e à conveniência de uma política orçamentária menos expansionista.

O BC, assegurou Meirelles, continuará recorrendo à política de juros, segundo as necessidades, para conter a escalada dos preços. Em outras palavras, continuará cumprindo prioritariamente seu papel de defensor da moeda. Haveria um papel para o Executivo? Certamente, mas o presidente do BC preferiu não entrar nesse terreno, como se cumprisse um acordo tácito de não-intervenção entre o Executivo e o BC.

Resumindo: segundo Meirelles, a inflação brasileira é um fenômeno mais amplo que a crise mundial de alimentos, não resulta meramente de um choque de oferta e não será contida sem alguma restrição da demanda. Esse diagnóstico difere das explicações fornecidas por outros membros do governo, incluído o ministro da Fazenda. Mais que isso: é indispensável enfrentar o problema com firmeza, agora, para garantir a continuação de um crescimento econômico robusto nos próximos anos. Com toda a sua diplomacia, Meirelles não resistiu à tentação de responder aos críticos da política monetária: contra a opinião deles, o BC acertou ao apontar a gravidade das pressões inflacionárias e isso é comprovado pelos últimos indicadores de preços.