Título: Opositores resistirão se Mugabe trapacear
Autor: Barba , Mariana Della
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2008, Internacional, p. A18

Eleição de amanhã é o maior teste já enfrentado pelo ditador africano

A oposição do Zimbábue prometeu ontem enfrentar o governo com protestos em massa, caso o presidente Robert Mugabe fraude as eleições gerais de amanhã para reeleger-se.

O diretor do opositor Movimento pela Mudança Democrática (MMD), Ian Makoni, afirmou que, após a votação, os partidários vão sair às ruas para celebrar, mas disse que a festa pode facilmente transformar-se em protestos. Segundo Makoni, o partido está preparado para reagir, como fez a oposição do Quênia após acusar o governo de fraudar as eleições de dezembro. Os protestos nas cidades quenianas provocaram uma onda de violência que deixou mais de 1.500 mortos.

À medida que a oposição elevava o tom contra Mugabe, os dois adversários do presidente uniam-se para acusá-lo de minar qualquer possibilidade de haver eleições justas. Ainda ontem, o presidente distribuiu centenas de carros para médicos zimbabuanos, na tentativa de comprar votos.

Morgan Tsvangirai (MMD) - candidato presidencial que tem 28% das intenções de voto, segundo as pesquisas - pediu aos eleitores que não deixem os locais de votação para impedir que o governo fraude as eleições. O independente Simba Makoni, que tem 9% nas pesquisas, também intensificou as acusações contra Mugabe - que tem 20%, segundo o instituto zimbabuano Mass Public Opinion.

Jornalistas e advogados também protestaram, criticando o governo por negar sua entrada para acompanhar as eleições. A Associação de Correspondentes da África divulgou uma nota questionando o porquê de o governo barrar os jornalistas - como os da rede britânica BBC e a americana CNN -, já que rejeita acusações de fraudes.

CARROS E SURRAS

Banir a imprensa estrangeira, distribuir carros em troca de votos, mandar espancar opositores (como fez com Tsvangirai há um ano) e ameaçar a colocar o Exército para combater protestos da oposição são apenas algumas das características de Mugabe, ditador que está há 28 anos no poder e enfrenta no sábado sua maior batalha para seguir no governo.

Ainda que suas atrocidades não superem as execuções públicas de Mobutu Sese Seko (da República Democrática do Congo), o canibalismo de Jean-Bédel Bokassa (República Centro-Africana) ou as sessões de tortura e estupro de Idi Amin (Uganda), Mugabe é, como bem o definiu o bispo sul-africano Desmond Tutu, uma perfeita caricatura de um ditador africano. E como tal, não apenas incorpora as deformações dos históricos tiranos da África, como as aproxima do absurdo.

Basta lembrar que Mugabe estrelou, há dois anos, um evento insólito mesmo para padrões africanos. Pediu que seu povo esquecesse o desemprego que atinge 80% da população e a maior inflação do mundo - 100.500% ao ano- e colaborasse para sua festa de aniversário, que custou US$ 1,2 milhão.

A inflação, a escassez aguda de alimentos, os ataques aos opositores são apenas alguns dos vários fatores que vêm minando a imagem e o poder do presidente. ¿Mugabe nunca esteve sob tanta pressão¿, disse ao Estado, por telefone, François Grignon, diretor para África do International Crisis Group. ¿Há hoje um consenso de que ele tem de sair para que o país possa se desenvolver política e economicamente.¿

Mugabe é hoje uma espécie em extinção no continente - mesmo que o conceito de democracia ainda soe distante em boa parte das nações africanas. ¿Mugabe está isolado. Na África de hoje, é quase impossível compará-lo a qualquer outro presidente. O único que se assemelha é o da Guiné Equatorial (Teodoro Mbasogo, no poder desde 1979)¿, diz Grignon. ¿Até em outros países africanos, como Ruanda e Etiópia, já há uma luta pela democracia.¿

E como último representante de sua categoria, a saída de Mugabe deve jogar uma pá de cal na era dos ditadores sanguinários africanos. ¿Não creio que haverá outros como Mugabe. Para a África, ele e o Zimbábue são uma grande vergonha¿, afirmou ao Estado Stephen Chan, autor de Robert Mugabe: a Life of Power and Violence (Robert Mugabe: uma vida de poder e violência) e professor de políticas africanas da Universidade de Londres. COM THE GUARDIAN E REUTERS

DITADORES AFRICANOS, UMA ESPÉCIE EM EXTINÇÃO

Robert Mugabe, Zimbábue (1980 - atual): Ao assumir, era visto como ¿herói revolucionário¿, mas à medida que ia se reelegendo, em eleições consideradas fraudulentas, tomava medidas cada vez mais ditatoriais, como desalojar 700 mil pessoas para ¿limpar¿ uma favela, surrar opositores e levar o país ao caos econômico.

Idi Amin, Uganda (1971 - 1979): O governo do ¿Hitler africano¿deixou entre 300 mil e 500 mil mortos. Foi deposto e fugiu para a Arábia Saudita. Morreu em 2003.

Mobutu Sese Seko, ex-Zaire (1965-1997): Executava rivais em sessões públicas e arrancava olhos de inimigos antes de matá-los. Morreu em 1997 de câncer.

Charles Taylor, Libéria (1997 - 2003): Tortura, mutilação e estupro eram práticas comuns de seu Exército. Está sendo julgado por crimes contra humanidade.

Jean-Bédel Bokassa, República Centro-Africana (1966-1979): Declarou-se presidente vitalício e imperador. Envolveu-se com tortura e canibalismo. Morreu em 1996.

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