Título: 409 mil grampos telefônicos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2008, Notas e Informações, p. A3

Cumprindo determinações da Justiça, a Oi, TIM, Brasil Telecom, Telefônica, Vivo e Claro realizaram no ano passado o espantoso número de 409 mil ¿grampos¿ telefônicos. As escutas se banalizaram de tal forma que as concessionárias, ao receber a ordem judicial, passaram a entrar em contato com os juízes, para confirmar os nomes e os números das pessoas a serem ¿grampeadas¿, e realizam as escutas em salas exclusivas e com câmeras de vigilância.

Entre 2006 e 2007, houve um crescimento de 10% nas interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça. Mas as próprias operadoras reconhecem que o número de pessoas que tiveram seus telefones ¿grampeados¿ é bem maior por causa das escutas clandestinas. A situação chegou a tal ponto que, ao depor recentemente na CPI das Escutas Telefônicas, instalada há três meses, o diretor de relações institucionais de uma operadora confirmou que o ministro Marco Aurélio Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e membro do Supremo Tribunal Federal (STF), teve conversas telefônicas gravadas clandestinamente em 2005.

A suspeita de interceptações ilegais de ministros dos tribunais superiores foi divulgada por uma revista semanal em agosto de 2007. Na ocasião, cinco magistrados - Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Cezar Peluso e o próprio Marco Aurélio - atribuíram à Polícia Federal (PF) a responsabilidade pelos ¿grampos¿ clandestinos. O órgão, na época, vinha realizando operações com nomes pomposos, promovendo diligências espetaculosas e fazendo prisões espalhafatosas.

A acusação mais contundente partiu do ministro Gilmar Mendes. Segundo ele, como entidades de advogados e magistrados vinham criticando o modo de atuação da Polícia Federal, acusando-a de primeiro fazer interceptações telefônicas ilegais para só depois iniciar as investigações, a PF teria ¿grampeado¿ os cinco ministros do STF para constrangê-los e pressioná-los a não conceder habeas-corpus aos cidadãos detidos nessas operações. Em junho de 2007, Mendes afirmou que as conversas que manteve com o procurador-geral da República, por ocasião da Operação Navalha, em junho de 2007, foram ¿grampeadas¿. Três meses depois, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, comunicou a um grupo de deputados a descoberta de um ¿grampo¿ clandestino nos telefones de sua residência.

Em face da gravidade do problema, o ministro da Justiça, Tarso Genro, desengavetou um anteprojeto elaborado por seu antecessor com o objetivo de mudar a lei que disciplina a interceptação das comunicações telefônicas e o submeteu à avaliação crítica de entidades dos meios forenses. Ao responder à consulta do Ministério da Justiça, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu um extenso parecer alegando que, em vez de resolver o problema, o anteprojeto o agrava ainda mais. Segundo a entidade, a maioria das inovações propostas no anteprojeto violaria liberdades públicas e comprometeria direitos e garantias fundamentais.

Em vigor desde 1996 e concebida com o objetivo de aumentar a eficiência da polícia no combate ao crime organizado, a Lei 9.296, que disciplina as interceptações telefônicas, tem apenas 12 artigos e prima pela clareza e objetividade. Segundo ela, as escutas têm por finalidade ajudar nas investigações e coleta de provas, devendo ser realizadas sob segredo de Justiça. Para evitar abusos, ela define o ¿grampo¿ como medida excepcional e proíbe pedidos de quebra de sigilo telefônico formulados em termos genéricos e sem prévia abertura de inquérito. A lei também exige que, ao apresentar os resultados das escutas ao juiz, a polícia envie um auto circunstanciado das operações e destrua as gravações que não sirvam como prova.

Se há abusos no recurso aos ¿grampos¿, isso não se deve a falhas na legislação em vigor, mas a uma eventual falta de cautela, seja por parte da polícia, seja por parte de magistrados que concedem, indiscriminadamente, autorizações de quebra de sigilo. O mais adequado, portanto, não seria substituir as medidas previstas pela Lei 9.296 por medidas que ferem direitos fundamentais, mas aplicar as regras vigentes de modo mais criterioso. Além da OAB, várias entidades da magistratura, que sempre ressaltaram a importância dessa lei, reconhecem esse fato.