Título: Análise de arroz transgênico reabre conflito na CTNBio
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2009, Vida&, p. A19

Representante do Greenpeace diz que discussão foi resgatada; Embrapa não vê benefício na variedade

Lígia Formenti

Uma audiência pública sobre a liberação comercial de arroz transgênico promovida ontem pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) reacendeu o embate entre ambientalistas e integrantes do colegiado. Durante mais de três horas de reunião, realizada em um auditório pequeno e lotado na Câmara dos Deputados, houve troca de farpas, aplausos, revolta, risos e uma constatação: as organizações não-governamentais (ONGs) se recuperaram da apatia notada no segundo semestre do ano passado e retornaram à cena.

"A análise do arroz foi escolhida como o momento do retorno do debate. Acabou o momento do não, não, não. Mas é preciso que o sim seja fruto de consenso, de uma discussão feita de forma serena", afirmou o representante do Greenpeace, Rafael Cruz. Ele admite que os grupos se desmobilizaram a partir de junho do ano passado, quando o Conselho de Ministros não aceitou o recurso contra a liberação comercial de uma variedade de milho transgênico. "Tínhamos bons argumentos, mas desanimamos. Agora resgatamos a discussão. Não queremos polarizar, mas conversar, debater", explicou Cruz.

DESCONFIANÇA

O tema de ontem ajudou. Entre os dez expositores, ficou claro que não há consenso sobre a liberação do arroz geneticamente modificado. O representante da Embrapa, Flávio Brasghello, disse não haver benefícios na adoção desse tipo de tecnologia. Até entre agricultores há resistência - parte deles teme que uma eventual contaminação do arroz convencional com espécies transgênicas impeça as exportações e dê margem à quebra de contratos já firmados.

Durante a audiência, alguns participantes questionaram a imparcialidade dos integrantes da CTNBio. "Não foi o momento apropriado para isso", avaliou Cruz. Para o presidente da comissão, Walter Colli, a discussão não passava de "patrulhamento ideológico". "Quando há conflito de interesse, o pesquisador deixa de votar durante a reunião. É assim que se faz, assim que sempre se fez." No fim do debate, Colli, avisou que, embora a liberação comercial do arroz esteja em pauta, o tema somente deverá ser votado no segundo semestre. "Até lá, há um longo caminho a percorrer. Vamos analisar tudo o que foi dito durante a audiência, aguardar pareceres de consultores externos", afirmou.

OUTROS PRODUTOS

Além do arroz, há uma lista de seis produtos aguardando a análise para liberação comercial: três variedades de soja, duas de algodão e uma de milho. Passada essa etapa, Colli acredita que a CTNBio enfrentará maior dificuldade para aprovar processos de liberação comercial. "Os pedidos feitos até o ano passado se referiam a produtos que há tempos estão no mercado internacional", afirma. Neste ano, a expectativa é de que a CTNBio passe a receber também pedidos para liberação de produtos de segunda e terceira gerações, fruto do cruzamento entre duas espécies diferentes de transgênicos. "Para esses casos, não chegamos ainda a um consenso sobre qual método de análise tem de ser adotado", afirmou Colli.

O presidente da CTNBio foi um dos destinatários de 15 mil mensagens eletrônicas enviadas pelo Greenpeace contra a aprovação do arroz transgênico. "Essa é uma das formas de retomarmos a campanha", explicou Cruz. Colli, que recebeu 3 mil mensagens, considerou a iniciativa uma agressão à cidadania. "Quando tentamos responder as mensagens, não conseguimos", reclamou.