Título: Brasil deve liderar debate sobre o clima
Autor: Jank, Marcos Sawaya
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2008, Espaço Aberto, p. A2

Terminaram ontem em Poznan, na Polônia, duas semanas de frias reuniões da 14ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 14). A despeito das calorosas emoções que cercam o tema da redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), que provocam mudanças no clima, o fato é que 11 anos após a adoção do Protocolo de Kyoto os resultados ainda são bastante modestos.

Ocorre que os Estados Unidos se recusaram a ratificar o protocolo, que haviam assinado inicialmente, e a maioria dos países ricos ainda está longe de atingir as metas de redução propostas. A compensação por meio do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) também encontra imensas dificuldades burocráticas na sua operacionalização. Os países em desenvolvimento dividem-se entre os que exigem reduções expressivas, porque correm risco de desaparecer do mapa (países insulares, por exemplo), os que se recusam a avançar (produtores de petróleo) e os que esperam que os países ricos façam a sua lição de casa antes de pedir o comprometimento dos mais pobres. A despeito de ser um dos países com maior potencial para reduzir emissões de GEEs, o Brasil vinha se ¿escondendo¿ atrás da Índia e da China nesta terceira categoria. China, Brasil e Índia foram, respectivamente, o segundo, o quarto e o sexto maiores emissores do planeta em 2000! É hora de mudar de postura.

Em primeiro lugar, se fizéssemos a nossa lição de casa, com uma redução expressiva da taxa anual de desflorestamento da Amazônia, assumiríamos uma posição de liderança global nas negociações sobre o clima. Mais de 75% de nossas emissões estão relacionadas ao ¿pecado original¿ do desmatamento ilegal, cujas raízes são as deficiências da fiscalização e a falta de direito de propriedade da terra, já que apenas 4% das terras da Amazônia têm títulos incontestáveis - o que transforma a floresta num convite permanente para posseiros e grileiros. Felizmente, o governo decidiu enfrentar este problema e anunciou, numa mudança histórica de posição, metas internas de redução de desflorestamento na conferência, por meio do Plano Nacional de Mudanças do Clima, aprovado há duas semanas pelo presidente Lula. Se, efetivamente, conseguirmos cumprir o anunciado - reduzir o desmatamento da Amazônia para o patamar de 5.740 km2 por ano até 2017 -, estaremos dando um enorme passo no controle da hoje caótica ocupação da floresta. Esta meta, contudo, só será atingida se o setor privado também se engajar no processo. A moratória da indústria da soja na Amazônia e o apoio irrestrito da indústria sucroenergética à interdição de novos plantios da cana-de-açúcar na floresta amazônica e no Pantanal são exemplos de amadurecimento seguido de atitudes concretas de empresários no tema da sustentabilidade.

Segundo, temos tudo para reduzir nossas emissões de GEEs com políticas que fomentem o crescimento sustentável da parcela dos renováveis (carvão vegetal renovável, etanol e biomassa de cana-de-açúcar, biodiesel, energia eólica e solar) na matriz energética brasileira. Ao contrário da China e da Índia, o Brasil conta hoje com uma das matrizes mais limpas do planeta, com 46% de energias renováveis, e é imprescindível lutar para que ela se torne ainda mais limpa. Mas, infelizmente, a expansão de termoelétricas ¿sujas¿ à base de carvão mineral e óleo combustível e a permanente ¿tentação¿ de reduzir os impostos e/ou os preços administrados da gasolina podem levar a uma queda da participação dos renováveis na matriz energética, a exemplo do que ocorreu nos anos 1990.

Terceiro, esforços complementares podem ser feitos com a redução de emissões da agropecuária e de indústrias como siderurgia, mineração, cimento, petroquímica e outras.

Tudo indica que os democratas, liderados por Barack Obama, vão mudar o rumo da matéria em 2009 e os Estados Unidos se apresentarão na 15ª reunião, em Copenhague (COP 15), com posições inovadoras, assumindo um papel de liderança nas negociações do acordo pós-Kyoto. O novo governo americano deve combinar políticas fiscais expansionistas com incentivos a tecnologias menos poluentes. No segundo semestre de 2009, a União Européia será presidida pela Suécia, um país exemplar na área do meio ambiente e da ampla utilização de bioenergias. O clima em Poznan mostrou claramente que não basta vontade política para lutar contra as mudanças do clima. Estados Unidos, União Européia, Brasil, China, Índia e Indonésia são atores centrais que precisam exercer liderança na discussão de novas metodologias e mecanismos de incentivo e em compromissos mais ambiciosos de redução de emissões.

Ao menos internamente, é hora de o governo e empresários brasileiros começarem a estudar seriamente a possibilidade de assumirmos metas ambiciosas de redução de emissões por setor, com sistemas de compensações e políticas públicas que premiem tecnologias que tragam benefícios sociais e ambientais para a sociedade. Nas discussões sobre o clima em 2009, nossos diplomatas certamente terão a oportunidade de negociar ações multilaterais mais adequadas para mitigar o aquecimento global e que sejam, ao mesmo tempo, mensuráveis, relatáveis e verificáveis. Se o inevitável acordo pós-Kyoto produzir um sistema econômico que incentive as tecnologias limpas de forma mais eficaz que o atual MDL, seguramente o Brasil não terá dificuldades em futuramente se comprometer com metas globais de reduções de emissões, até porque essa atitude tem de tudo para gerar mais benefícios do que perdas para as empresas e a sociedade.

Marcos Sawaya Jank, professor licenciado da FEA-USP, é presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)