Título: Postura dos EUA agrava tensão
Autor: Mazzetti, Mark; Baker, Peter
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2008, Internacional, p. A10

O acúmulo de evidências de que os ataques realizados em Mumbai na semana passada se originaram em território paquistanês abre a possibilidade de uma guerra entre os dois países, que possuem bombas atômicas. É possível que a agressiva campanha dos Estados Unidos para exterminar os militantes islâmicos no Paquistão aumente ainda mais a probabilidade de uma resposta militar da Índia.

Em dezembro de 2001, quando militantes paquistaneses atacaram o Parlamento indiano, e novamente em meados deste ano, quando com a ajuda de espiões paquistaneses um grupo realizou um ataque a bomba contra a embaixada indiana no Afeganistão, o governo de George W. Bush usou uma diplomacia agressiva para acalmar a ira em Nova Délhi.

Dessa vez, o governo indiano pode não se mostrar tão receptivo à mensagem americana, destruindo as esperanças do futuro governo Obama de uma resposta regional mais abrangente à ameaça representada pela Al-Qaeda e pelo Taleban.

O primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, enfrentou durante meses as críticas de adversários políticos sobre a decisão do seu governo de não responder com a força a atos de terrorismo passados. A revolta interna desencadeada pela carnificina em Mumbai aumentou a pressão por represálias.

Além disso, Nova Délhi pode se sentir menos disposta a atender aos apelos americanos de uma ¿resposta controlada¿, já que o próprio Bush intensificou os ataques aéreos no território paquistanês. A Casa Branca adota uma posição para se justificar: se um país não puder resolver por conta própria o problema do terrorismo, os EUA se reservarão o direito de agir.

Caso fique comprovado que os homens que devastaram Mumbai foram treinados no Paquistão, mesmo que o governo paquistanês não tenha tido nenhuma participação na operação, o que impedirá os indianos de adotar a mesma posição?

¿De certo modo, nem importa se o ataque foi preparado em algum escritório de Islamabad¿, disse Paul Kapur, especialista em Ásia Meridional da Universidade Stanford. ¿A provocação é muito maior em magnitude do que qualquer outra coisa que tenha acontecido antes.¿

Mesmo que Bush consiga conter as tensões imediatas, Obama terá de intermediar a cooperação entre duas potências regionais extremamente inflamadas e desconfiadas.

Um importante elemento do plano do presidente eleito para reduzir a militância no Paquistão e imprimir um novo rumo à guerra no Afeganistão é pressionar por uma reconciliação entre a Índia e o Paquistão. Assim, Islamabad poderia concentrar suas energias nas áreas tribais na fronteira com o Afeganistão, controladas pelos extremistas islâmicos.

Embora assessores de Obama temam que as tensões desencadeadas pelos ataques de Mumbai prejudiquem as aspirações do novo presidente, eles manifestam a esperança de que o atentado abra a porta para uma maior cooperação entre o Paquistão e a Índia, a fim de eliminar militantes que possivelmente planejam novos ataques.

No governo Bush, alguns acreditam que uma resposta militar indiana pode ser evitada. Singh sempre teve a convicção de que a instabilidade causada por um conflito com o Paquistão frearia o rápido crescimento econômico da Índia. Ele também considera o novo governo do Paquistão muito distante do militarismo do governo anterior, do presidente Pervez Musharraf.

Para Bruce Hoffman, especialista em terrorismo na Universidade Georgetown,uma das possibilidades é o governo indiano resolver atacar instalações para o treinamento dos militantes nas áreas tribais da Caxemira paquistanesa.

Ahmed Rashid, acadêmico paquistanês, diz que a menor mobilização militar indiana fornecerá aos militares paquistaneses a desculpa que eles querem para deslocar as forças da fronteira ocidental e enviá-las para a fronteira oriental. Se isso ocorrer, poderá se repetir o impasse de 2002, quando Índia e Paquistão quase entraram em uma nova guerra.