Título: Ciência tenta desvendar obesidade
Autor: Escobar, Herton
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/10/2008, Economia, p. A25

A terapia básica contra a obesidade é a mesma para qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo: comer menos e praticar mais exercícios. O que, na prática, significa dizer ¿gaste mais energia do que você consome¿. Uma solução simples e comprovadamente eficiente, mas não necessariamente fácil de ser colocada em prática, como comprovam os números da crescente epidemia global de obesidade.

Se a solução parece simples, entender a doença está cada vez mais complicado. Contrariando o estigma de que ¿só é gordo quem quer¿, centenas de trabalhos científicos publicados nos últimos anos revelam que, além dos muitos fatores culturais ligados ao sedentarismo e ao consumo de alimentos gordurosos, a obesidade é também um fenômeno biológico altamente complexo e multifatorial, em que as papilas gustativas são apenas uma peça no quebra-cabeça.

O metabolismo é afetado por fatores que vão desde a carga genética até a eficiência energética de mitocôndrias e a biodiversidade de micróbios na flora intestinal. Há os ¿magros de ruim¿, que podem comer pizza toda semana sem engordar um grama, e os gordinhos inescapáveis, que acumulam gordura só de olhar para um brigadeiro.

Em um experimento hipotético, centenas de pessoas poderiam comer exatamente a mesma coisa, praticar a mesma quantidade de exercícios e, ainda assim, engordar ou emagrecer de maneiras completamente diferentes. ¿Eu diria que a variabilidade entre os extremos seria de 100%¿, avalia Bruno Geloneze, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

O que faz a diferença, nesse caso, é a genética. Mais de cem genes relacionados à obesidade já foram identificados, e é provável que muitos outros ainda sejam descobertos.

Em um estudo publicado anteontem na revista Science, cientistas mostraram como os circuitos de prazer do cérebro reagem ao estímulo de um milk-shake de chocolate descendo pela garganta. Do ponto de vista comportamental, seria de se esperar que pessoas obesas comessem mais porque sentem mais prazer com isso. Mas é o contrário. Os resultados confirmam a hipótese de que obesos sentem menos prazer por gole ou garfada do que pessoas de peso normal. Conseqüentemente, tendem a beber mais e comer mais para saciar suas vontades.

A diferença tem a ver com a quantidade de dopamina que é processada no cérebro durante a refeição. Os pesquisadores utilizaram ressonância magnética funcional para observar o cérebro de mulheres em tempo real, no momento em que tomavam o milk-shake. Perceberam que algumas tinham uma reação neuroquímica menos prazerosa, em especial as portadoras de uma característica genética que reduz o número de receptores de dopamina. Previram que elas seriam as que engordariam mais com o tempo, e foi o que aconteceu.

Ainda que a receita básica antigordura seja a mesma para todos - gastar mais energia do que se consome -, o conhecimento dos mecanismos moleculares envolvidos no problema abre perspectivas para o desenvolvimento de terapias mais específicas e personalizadas, adaptadas ao perfil de cada paciente.