Título: Amazônia está sufocada, diz Ban
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/11/2007, Vida&, p. A24

Secretário-geral da ONU surpreende e faz referência direta à floresta no encerramento da 4.ª reunião do IPCC

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, enfatizou ontem, em Valência, a tendência de alterações permanentes na Amazônia ainda neste século caso os piores cenários descritos pelos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) se concretizem. ¿Se as mais severas projeções do painel se tornarem reais, muito da Amazônia será transformada em savana.¿

Ki-moon participou da divulgação do relatório-síntese da quarta e última avaliação do painel sobre as mudanças climáticas pelas quais o planeta passa. O documento é voltado aos formuladores de política de todo mundo e condensa, em 23 páginas, um trabalho científico que toma mais de 2 mil páginas.

Tanto ele quanto o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, enfatizaram a necessidade de respostas políticas ao problema. ¿O IPCC foi em 2007 uma oportunidade única de dispor do melhor conhecimento científico sobre aquecimento global, agora disponível para governos e gestores de políticas de todo o mundo¿, afirmou Pachauri.

A Amazônia foi citada como um exemplo do que a humanidade deve evitar. ¿Eu vi como a floresta úmida está sufocada¿, disse Ki-moon. ¿O Brasil vem promovendo sérios esforços na luta contra o desmatamento e o manejo sustentável da floresta. Mas o governo teme que o aquecimento global já esteja inviabilizando seus esforços.¿

As citações surpreenderam jornalistas, uma vez que o texto não inclui referência ao trabalho de governos específicos. A floresta tropical foi citada apenas uma vez, em um quadro com exemplos regionais de impactos do aquecimento global - incluído a pedido de especialistas. Ali, é citado que, em meados do século, ¿o aumento da temperatura, associada à redução da água no solo, é projetada a levar à substituição gradual da floresta tropical pela savana na Amazônia Oriental¿.

Na segunda-feira, o secretário-geral esteve no Pará para conhecer a floresta, onde encerrou um giro pela América do Sul. Na ocasião, ele foi criticado por ambientalistas e representantes comunitários por ter se limitado a encontros protocolares, sem efetivamente observar a depredação do bioma nem visitar trabalhos extrativistas sustentáveis. ¿Eu venho até vocês humilhado depois de ver alguns dos mais preciosos tesouros de nosso planeta - tesouros que estão sendo ameaçados pela própria mão humana¿, afirmou Ki-moon. ¿A Antártida, as geleiras de Torres del Paine, a Amazônia - toda a humanidade deve assumir a responsabilidade por estas jóias, em nome das próximas gerações.¿

Segundo a secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Thelma Krug, o governo brasileiro teme que a floresta não tenha tempo para se adaptar às mudanças climáticas. A principal contribuição do País ao agravamento do efeito estufa são o desmatamento e as queimadas na Amazônia. ¿Mesmo que atinjamos emissões negativas, o que esperamos para um futuro próximo, mesmo assim isso não vai adiantar para evitar o impacto sobre a floresta se não houver um esforço global¿, afirma.

CONSENSO

Ao longo da semana, durante a preparação do relatório-síntese, o debate entre cientistas e delegados governamentais em Valência foi menos agressivo comparado aos embates ocorridos em Paris, em fevereiro, Bruxelas, em abril, e Bangcoc, em maio, quando foram aprovados resumos dos três grandes volumes que compõem a quarta avaliação do IPCC.

Os pleitos das delegações não causaram grande desconforto entre especialistas e se mantiveram atados a aspectos científicos. As delegações de Estados Unidos, Arábia Saudita e Índia voltaram a se mostrar mais reticentes quanto a conclusões sensíveis, como a irreversibilidade do processo de aquecimento, enquanto as do Brasil e da Bélgica foram elogiadas por sua postura técnica.

O Brasil também foi indiretamente implicado quando o IPCC citou os biocombustíveis como alternativa energética para mitigação dos efeitos do aquecimento global. A referência apareceu em um quadro que lista alternativas de mitigação e indica que ¿uma segunda geração de biocombustíveis¿ deve estar no mercado antes de 2030. Os cientistas também citam a energia nuclear na mesma tabela, uma consideração inserida em Bangcoc que motivou críticas de ambientalistas.

CONCLUSÕES

O texto reafirma conclusões anteriores e mantém o peso sobre os mesmos pontos que espantaram o mundo no primeiro semestre. ¿A maior parte do aumento da temperatura observado globalmente na segunda metade do século 20 deve-se muito provavelmente ao aumento da concentração de gases de efeito estufa emitidos pela ação do homem¿, diz o documento. ¿É provável que tenha havido um aquecimento antropogênico (causado pelo homem) nos últimos 50 anos em todos os continentes, salvo a Antártida¿, completa.

O documento volta a citar a Revolução Industrial, a partir de 1750, como determinante para o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. A concentração é a maior em 650 mil anos.

A conseqüência já é percebida. ¿Onze dos últimos 12 anos (1996-2005) estão entre os mais quentes nos registros instrumentais da superfície da Terra (desde 1850).¿ A síntese fixa entre 1°C e 6,4°C a perspectiva de elevação da temperatura, situando a faixa mais provável de variação entre 2°C e 4,5°C. A tendência será mantida por séculos mesmo que a humanidade controle a emissão de CO2 na atmosfera.

¿O aumento do nível do mar e o aquecimento são inevitáveis. A expansão térmica continuará durante muitos séculos depois que se estabilize a concentração de gases de efeitos estufa, para qualquer nível de estabilização.¿ A progressão da temperatura é vinculada à elevação do nível dos oceanos: ¿(O aquecimento) causará uma elevação muito maior do que a projetada para o século 20 (entre 18 e 59 centímetros).¿

O relatório-síntese não suscitou críticas das organizações não-governamentais que atuaram como observadores dos eventos do IPCC, prova de sua fidelidade ao material original. Tanto o Greenpeace quanto o WWF preferiram focar a Conferência do Clima da ONU, que ocorrerá em Bali, em dezembro. Stephanie Tunmore, porta-voz da Greenpeace International, saudou o texto como a prova científica de que o mundo precisava para atuar: ¿O documento do IPCC permite que projetemos as primeiras ações contra o aquecimento global. E elas precisam estar centradas no Protocolo de Kyoto e em suas discussões em Bali.¿ COLABOROU CRISTINA AMORIM