Título: Acordo polêmico
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2007, Notas e Informações, p. A3

Criado para promover o controle externo do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) parece ter exorbitado de suas prerrogativas ao assinar um acordo de ¿cooperação técnica¿ com o Ministério da Previdência. A iniciativa foi justificada como uma tentativa de reduzir o número de litígios contra o INSS, um dos recordistas em matéria de reclamações na Justiça Federal. Só no STF, dos 132.271 processos que tramitam na corte, quase 15 mil têm o INSS como réu.

Pelo acordo, cujos pontos específicos serão definidos dentro de 120 dias por um grupo de trabalho, os segurados da Previdência só poderão acionar judicialmente o INSS depois de esgotados todos os recursos administrativos. Em troca, o INSS deixará de recorrer de processos nos quais os questionamentos já estejam pacificados nos tribunais e a respeitar, no julgamento dos recursos administrativos, a jurisprudência do STJ.

O acordo também prevê a unificação de procedimentos e o intercâmbio de informações entre o Executivo e o Judiciário. Além disso, o governo pretende tornar obrigatória a realização de uma audiência prévia para que os advogados do órgão possam dar explicações aos juízes antes da concessão de liminar para pagamento de benefícios. A medida visa a reduzir o número de liminares concedidas em favor de segurados. Muitos deles, segundo o INSS, obtêm liminar, mas depois perdem a causa e resistem a devolver aos cofres públicos o dinheiro já recebido.

Do ponto de vista do Executivo, o acordo é um grande negócio. A começar pelo fato de que, ao obrigar os segurados a esgotarem todos os recursos administrativos no âmbito do INSS, como condição para que possam ir aos tribunais, retarda o ajuizamento de ações e a concessão de liminares contra o órgão. Em outras palavras, é uma forma matreira de reduzir o número de ações judiciais nos quais o INSS é réu.

Do ponto de vista do segurado, o acordo é leonino. Entre outros efeitos perversos, que desequilibram o tratamento entre as partes, ele literalmente cassa o direito dos segurados de escolher a via pela qual podem reclamar seus direitos previdenciários. É prerrogativa do cidadão optar entre um recurso administrativo ou um processo na Justiça. Além disso, ao impor uma condição para que os segurados da Previdência possam reclamar seus direitos nos tribunais, o acordo colide frontalmente com o artigo 5º da Constituição, que define as garantias fundamentais, assegurando o acesso ao Judiciário a todo cidadão.

Ao justificar o acordo com o CNJ, o ministro da Previdência, Luís Marinho, disse que ¿não se trata de impedir que o segurado entre na Justiça, mas de tornar a ação judicial desnecessária¿. Por sua vez, o chefe da Advocacia-Geral da União, José Antônio Toffoli, alegou que o Estado é um só, não havendo razão para que os cidadãos apresentem um recurso ao Executivo e outro ao Judiciário. ¿São duas máquinas trabalhando na mesma análise¿, disse ele, após lembrar que o INSS se comprometeu a agilizar o julgamento dos recursos administrativos. ¿Com uma ação rápida, não há razão para que o segurado procure a Justiça antes de procurar o próprio instituto¿, concluiu. Esses argumentos, porém, apresentam uma falha gritante. Eles simplesmente desprezam o princípio da tripartição dos Poderes, que é essencial para o Estado de Direito.

Ao justificar o acordo com o governo, a presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie, alegou que a maioria das ações contra o INSS é repetitiva e comporta decisões uniformes. Ninguém discute esse fato. Mas, se o STJ e o STF têm o mesmo entendimento com relação a essas ações, não seria mais sensato o INSS seguir a jurisprudência e cumprir o que a lei determina? Por que dificultar o acesso dos segurados da Previdência aos tribunais, quando o mais racional seria o Executivo respeitar a lógica do Estado de Direito? Enquanto essas dúvidas não forem dirimidas, o acordo entre o CNJ e a Previdência fica sob suspeição, na medida em que atende aos interesses imediatos do governo e ajuda a descongestionar a Justiça à custa dos interesses e até dos direitos dos segurados do INSS.