Título: 50 anos, e a Kombi ainda é líder
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/09/2007, Economia, p. B20

Produzida na mesma fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, perua bate todas as concorrentes

A linha de montagem não tem robôs, o ritmo de produção é menos frenético e as peças são agregadas manualmente, quase de forma artesanal. Um grupo compacto de funcionários espera cada carroceria baixar do elevador suspenso, dá os retoques na lataria e instala rodas, faróis, janelas, bancos, painel, espelho retrovisor.

Com 50 anos completados hoje, a Kombi é produzida quase da mesma forma de meio século atrás na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Seu desenho também mudou pouco. Mas, desafiando a lógica do mercado automobilístico, movido a novidades, a perua é o maior fenômeno de longevidade da indústria. São cinco décadas de produção contínua.

A concorrência que se abateu sobre a maioria dos automóveis brasileiros a partir dos anos 90, com a abertura da economia, não abalou a Kombi, que persiste como líder de vendas no segmento de veículos de passageiros e carga. Entre janeiro e julho deste ano, foram vendidas 13.259 unidades. Os cinco veículos considerados concorrentes (Boxer, Ducato, Jumper, Master e Sprinter) venderam, juntos, 11.786 unidades.

No ano passado, a Kombi vendeu 19.237 unidades e os concorrentes, 17.740. ¿Ela está numa lacuna de mercado que não tem competidor em faixa de preço e em categoria de uso¿, diz José Rinaldo Caporal, da consultoria Megadealer, especializada em varejo automotivo.

Em 1957, a Volks começou a produzir a Kombi com peças nacionais, o primeiro veículo feito pela marca no País. A produção era em um galpão improvisado, enquanto a montadora alemã construía a megafábrica na região do ABC, inaugurada dois anos depois. O modelo já era vendido no Brasil desde 1953, uma versão importada pelo grupo Brasmotor, que trazia as peças para serem montadas aqui.

O nome brasileiro é a simplificação de Kombinationfahrzeug (veículo combinado ou de multiuso) adotado na Alemanha, onde foi desenvolvida e produzida entre 1950 e fim dos anos 70. Depois foi substituída por uma versão moderna, totalmente diferente. A geração atual, chamada de Caravelle e Eurovan, não tem nada da antiga.

O diretor da unidade de produção da Volks Anchieta, Marco Antonio Teixeira, diz que o estilo e o design da Kombi são praticamente os mesmos nesses anos todos, mas afirma que várias melhorias foram introduzidas, a última delas a motorização flex (permite rodar com álcool ou gasolina), que substituiu o motor arrefecido a ar pelo a água. A perua ficou mais potente e menos poluente.

No início dos anos 90, o prédio onde a Kombi é produzida era chamado entre os funcionários de ¿pavilhão 9¿, alusão a uma das alas do complexo penitenciário do Carandiru, em São Paulo. ¿Era muito difícil trabalhar aqui¿, conta João Gonçalves de Oliveira, de 49 anos, 28 deles como funcionário da VW.

O motor era erguido ¿no braço¿ para ser instalado no veículo, o encaixe era feito a marretadas, usava-se cola no teto. ¿Hoje é muito diferente¿, afirma Oliveira. Carrinhos transportam as peças pesadas, há bolsas infláveis para apoio e a cola foi eliminada.

Hoje são produzidas diariamente 90 Kombis, a maioria de cor branca, ¿para facilitar a customização¿, explica Teixeira. Seu uso predominante é para o trabalho, seja em frotas de empresas ou varejistas.

O auge de vendas foi em 1976, com 59.500 unidades, volume que, 20 anos depois, foi a 52.700 unidades e, em 2006, já com fôlego menor, a 19 mil. Este ano, a projeção é chegar a 24 mil unidades, impulsionada pelo crescimento do mercado geral de veículos.

¿É um veículo que atende necessidades de pequenas transportadoras, do tintureiro, do verdureiro e muitos outros¿, atesta Paulo Roberto Garbossa, da consultoria ADK. ¿Em relação custo/benefício e custo de manutenção, é imbatível.¿

A Kombi é vendida a partir de R$ 41 mil. Os preços das concorrentes começam em R$ 76 mil, mas são veículos movidos a diesel, modernos e com maior capacidade de passageiros.

A chegada dos modelos chineses da marca Chana não assusta. Outros produtos asiáticos que chegaram nos anos 90, como a Kia Besta, a Asia Towner e Topic e a Hyundai H100, prometiam abalar o reinado da Kombi, o que não ocorreu. Todos deixaram de ser importados.

A Volks não pretende mudar a Kombi no curto prazo ou fazer uma versão moderna. ¿O tamanho do mercado de vans, de 20 mil a 30 mil unidades por ano, não justifica¿, afirma Marcelo Olival, gerente de propaganda e marketing. Aposentar a Kombi também não está nos planos, embora isso não deva demorar muito a ocorrer, na visão de alguns analistas. ¿Vendemos quase 2 mil unidades por mês, mesmo volume de modelos como Polo hatch, Golf, SpaceFox e CrossFox¿, compara Olival. ¿A produção só deixa de valer a pena se ficar abaixo de 10 mil unidades por ano¿, opina Garbossa.