Título: Agências reguladoras pelos ares
Autor: Schymura, Luiz Guilherme e Guerra, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2007, Economia, p. B2

Viajar de avião, hoje, no Brasil, transformou-se em uma grande dor de cabeça. O usuário do sistema está sujeito a toda sorte de problemas, desde a falta de informação nos balcões das companhias, ausência de refeições e locais apropriados para as longas esperas, overbooking e, até mesmo, cancelamentos de vôos sem nenhuma explicação. O fato é que a prestação do serviço de transporte aéreo passou a ser, há quase um ano, tema recorrente nas manchetes dos principais meios de comunicação. Os culpados ora são as empresas aéreas, ora os controladores de vôo, a Infraero, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o tempo, etc. Nesse emaranhado de erros e culpados que protagonizam o 'apagão gerencial' surgiu, recentemente, um novo grande vilão: o modelo das agências reguladoras. Por conta disso, parece ser producente ao debate a seguinte reflexão: o nosso modelo de agências reguladoras está equivocado ou a sua aplicação no setor de aviação civil é que se apresenta incompatível? Para responder a primeira parte da indagação, devemos, inicialmente, revisitar o contexto pelo qual o modelo de agências reguladoras foi introduzido na sociedade brasileira. Desde meados da década de 90 até 2002, o Brasil desenvolveu um consistente esforço político e institucional para implantar o modelo constitucional de 'Estado regulador', com participação estatal descentralizada. Nesse contexto jurídico-constitucional, o Poder Executivo, diante da premente necessidade de atrair investimentos, abriu mão da função de regular diretamente os novos setores, conferindo-a às agências reguladoras. O objetivo desse modelo adotado em inúmeros países foi o de gerar salvaguardas institucionais que significassem um compromisso com a manutenção de regras e contratos de longo prazo, conduzindo à confiabilidade e ao equilíbrio de mercado. Assim, as agências reguladoras foram criadas para, propositadamente, ficarem eqüidistantes do Estado, das concessionárias e dos usuários. As agências reguladoras são autarquias de regime especial, possuindo certa independência em relação ao Poder Público. Não fosse assim, a constante substituição de ministros de Estado - e conseqüentes alterações das orientações políticas - não traria a estabilidade necessária para atração de investimentos. Além das funções para editar normas, faz parte dessa estrutura regulatória a organização colegiada, a impossibilidade de exoneração dos seus dirigentes sem motivação (só por meio de processo disciplinar) e a autonomia financeira e orçamentária. Nesse contexto surge a segunda pergunta: é adequada e necessária a instituição da Anac como uma agência reguladora, com todas as características acima listadas? A resposta, a nosso ver, é negativa. A Anac nasceu em um outro contexto político, com objetivos aparentemente diversos daqueles acima descritos. Foi criada há pouco mais de um ano com atribuições de fiscalizar um setor que já estava ocupado por empresas concessionárias e que, portanto, não carecia de novos atores públicos para atrair investidores. Não é fácil engastar a Anac em um setor altamente complexo no qual convivem, sob a forma híbrida (civil e militar), o Ministério da Defesa, o Conselho Nacional de Aviação Civil, a Aeronáutica e a Infraero. Os problemas enfrentados pelo setor aeroviário parecem estar muito mais ligados à ausência de coordenação das funções dos diversos órgãos e entidades do que ao modelo regulatório em si. Daí parece certo concluir que os problemas do setor aéreo - que, logicamente, inclui a Anac - não podem ser generalizados para alcançar outras agências reguladoras. É importante, portanto, separar o debate. O processo de legitimação e aperfeiçoamento do modelo das agências reguladoras, conforme foi concebido - e que vinha ganhando corpo dentro da sociedade brasileira -, não deve ser confundido com o que vem ocorrendo no setor aéreo. Ao contrário, o mesmo deve ser fortalecido pelo governo para que o Brasil demonstre à comunidade internacional que o modelo de intervenção regulatória local é consistente, não sendo um tema de um determinado governo de direita, centro ou esquerda, mas, sobretudo, um modelo de Estado.

*Luiz Guilherme Schymura, diretor do IBRE/FGV, foi presidente da Anatel; Sérgio Guerra é professor da Escola de Direito do Rio de Janeiro/FGV