Título: Agências reguladoras - ser ou não ter
Autor: Sanches, Luiz Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/08/2007, Economia, p. B2

De repente, o País foi tomado por especialistas em agências reguladoras. Como desencadeador da rápida formação de opinião, o caos aeroportuário. Decorrente da equiparação de agências que regulam monopólios naturais àquelas agências executivas, no caso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Agência Nacional de Saúde (ANS) e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), a mistura de conceitos do que vem a ser uma agência reguladora se tornou generalizada. Amplos segmentos da imprensa têm levantado inúmeras estatísticas. Seis em cada dez cargos diretivos das agências reguladoras tiveram indicações políticas. A questão que deveria ser estritamente técnica é discutida apenas em foro político. Sem separar o que é Estado do que é governo, a Resolução Política da Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) identifica que a solução para a crise aérea passa pelo investimento público em infra-estrutura, fiscalização efetiva sobre as empresas aéreas e desmilitarização do controle do tráfego. Na mesma linha, prega que o governo tem condições de implementar essas medidas, 'sem ter ilusão de que se possa resolver em curto prazo problemas estruturais e institucionais, entre eles o fracassado modelo tucano de agências regulatórias'. Essa meia verdade se fundamenta no fato de que a gestão anterior ao atual governo criou o modelo de agência reguladora para regular monopólios naturais, como telecomunicações e energia elétrica, que precisam de longo prazo para a maturação de investimentos que transcende a gestão política de governos específicos. Todavia essa mesma gestão desvirtuou o tal conceito, ao criar agências executivas como a Anvisa em 1999, a ANS em 2000 e a Ancine em 2001 e caracterizá-las como reguladoras por terem 'autonomia administrativa'. Ao voltarmos à origem do conceito, Bresser-Pereira, um dos maiores defensores do modelo regulatório, abordou recentemente em O Estado de S. Paulo sobre o total e absoluto equívoco de tal premissa. Segundo o professor, as agências que realmente precisam de autonomia decisória são somente aquelas que decidem sobre preços em mercados que são monopolistas. Existe uma política de Estado que diz que os preços devem ser aqueles que seriam como se mercado houvesse. E essa é a função da agência reguladora. Bresser-Pereira complementa que essa modalidade de agência não deve fazer política, coisa que boa parte delas passou a fazer. Assim, o atual governo não se diferencia do governo anterior no desfazimento desse equívoco conceitual. Em vez de separar agências reguladoras de agências executivas, há a intenção de tornar executivas as agências que deveriam ser reguladoras. Nesse sentido, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) manifestou o interesse de propor o fim da estabilidade dos dirigentes desses órgãos. O presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), vai além e defende o Projeto de Lei nº 3.337, de 2004, que, segundo o site do PT, prega que as agências deixem de regular para apenas fiscalizar. Assim, o Congresso não sinaliza que pretende escolher os dirigentes de forma estritamente técnica, mas simplesmente acabar com a estabilidade dos diretores, com a capacidade de regular e com as decisões técnicas e não políticas. Ou seja, deseja acabar com as agências reguladoras, que tem a atuação já ofuscada pelo contingenciamento mensal, que em 2006 chegou a totalizar 85% do valor que deveria ter sido utilizado para a regulação e fiscalização dos respectivos setores. Não há estrutura que suporte tal privação de verbas e de competências. O governo deve definir claramente se quer ter agências reguladoras de fato ou não. Se aceita o risco de mercado ou não. Se deseja novamente um modelo monopolista e estatizante. E se responsabilizar pelas decisões. Há consenso, do ponto de vista técnico, de que o controle político das agências reguladoras é a ante-sala da escassez. A intervenção política na fixação de tarifas, conforme mostra a experiência internacional e brasileira pré-privatizações, centraliza as decisões em um governo que não tem receita para arcar com todos os investimentos necessários e tem o irresistível poder de represar tarifas para agradar à população. E a conseqüência da intervenção do governo, com a descapitalização dos setores regulados, é clara. Ou melhor, escura.