Título: Dez meses, 350 mortes depois
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2007, Nacional, p. A6

No Brasil presidido por Luiz Inácio da Silva é assim: o governo não sabe o que fazer, faz qualquer coisa e ainda quer que o País reaja sereno, quando não agradecido. O presidente da República talvez se surpreenda e ainda mais uma vez se sinta injustiçado com a avaliação de que seu pronunciamento à Nação na noite de sexta-feira foi pífio.

Falhou no quesito emoção, porque lhe faltou a veracidade da manifestação de solidariedade no momento exato da comoção e falhou no requisito administração, ao anunciar medidas para minorar os riscos futuros, menosprezando a gravidade dos fatos e, sobretudo, insistindo em não dar à crise aérea a sua real dimensão.

O máximo a que se permitiu foi reconhecer que o sistema de tráfego aéreo passa por ¿sérias dificuldades¿. Isso, dez meses e 350 mortes depois de repetidas e não resolvidas demonstrações de que a situação está absolutamente fora do controle.

Falou como se a crise tivesse começado com o desastre de terça-feira à noite e se encerrasse com alterações no ¿perfil operacional¿ do Aeroporto de Congonhas, no anúncio sobre ¿estudos¿ para a construção de um novo aeroporto em São Paulo (em área ainda não determinada, conforme informou com caprichada grosseria a ministra Dilma Rousseff), na promessa vaga de ¿modernização¿ do sistema aéreo e na difusa referência ao ¿fortalecimento¿ da Agência Nacional de Aviação Civil - personagem naquele mesmo dia do debochado episódio de condecoração de seus incompetentes dirigentes por ¿serviços prestados ao País¿.

Para o presidente parece que não houve o acidente da Gol, não aconteceram suas nefastas conseqüências, não há um desacerto aberto no serviço de controle de vôos, não existiu inversão de prioridades nas obras de embelezamento dos aeroportos em detrimento da segurança, é obra de ficção a sobejamente demonstrada inépcia em todas as cadeias de comando do setor, não há no País um ministro da Defesa incompatível com o cargo, inexiste o descompasso entre demanda de passageiros e oferta de infra-estrutura, seguindo, ademais, tudo normal num ambiente em que a ganância das companhias aéreas regula as ações da agência criada para regulá-las.

Certamente foi por isso que apenas ontem se reuniu o Conselho de Aviação Civil, nem uma só vez convocado desde o início do calvário dos passageiros nos aeroportos.

Ao fim de seu pronunciamento, o presidente pediu serenidade aos brasileiros, que dele esperavam mesmo era mais seriedade. Já que não adianta cobrar celeridade.

Agora, uma coisa Lula percebeu ao evitar comparecer ao enterro do senador Antonio Carlos Magalhães: que daqui em diante ficará mais difícil aparecer em público fora de solenidades oficialmente controladas.

Passo adiante

Por dois dias e três noites o governador José Serra aguardou um telefonema, um e-mail, um contato, enfim, do presidente Luiz Inácio da Silva.

Como esperou em vão, Serra enviou a ele por escrito e mediante ampla divulgação, o que pretendia lhe transmitir antes ao telefone: um diagnóstico da situação e um conjunto de propostas de ações que, divulgados na véspera da quebra do silêncio presidencial, só tornaram mais vazio o seu pronunciamento à Nação.

Berço esplêndido

No quesito omissão pós-desastre da TAM, justiça seja feita ao Poder Executivo, ele não esteve sozinho. O Legislativo lhe fez companhia.

Enquanto nos Estados Unidos a presidente da Câmara dos Representantes (deputados), Nancy Pelosi, fez uma homenagem às vítimas, aqui o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, não atendeu ao pedido do deputado Raul Jungmann para a convocação da comissão representativa que, no recesso, representa o Parlamento.

E não o fez pelo pior dos motivos: para não abrir espaço à retomada do debate sobre seu processo por quebra de decoro parlamentar.

Aqui, de novo justiça se faça. E justamente ao presidente do Senado, pois, à exceção de protestos de Jungmann e seu partido, o PPS, ninguém mais fez qualquer movimento para reforçar o pedido de convocação. Ficaram todos na posição que lhes pareceu mais confortável: de joelhos.

Outras intenções

O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, considerou injusta e equivocada a interpretação de que seu discurso na última terça-feira pregando a adoção de uma ¿nova ética¿ no País para todos, autoridades, sociedade e imprensa, deixava transparecer a intenção de amenizar a situação do senador Renan Calheiros, por tratar de reportagens sobre processos de que são alvos diversos senadores. Estaria assim, socializando preventivamente os prejuízos.

Segundo o tucano, seu propósito foi o oposto: ¿Com aquele discurso eu busquei abortar uma manobra, com as digitais do governo, de tentativa de desqualificar o colégio de senadores para julgar o presidente da Casa.¿