Título: Autoridades não pagam
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/07/2007, Economia, p. B2

Parece coisa pouca, afinal, é só um ex-governador arranjando, digamos, um meio de sobrevivência fora do poder. Deve ter sido com esse pensamento que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul confirmou, na semana passada, o direito do ex-governador Zeca do PT de receber uma pensão vitalícia de R$ 23 mil mensais.

Mas pense um pouco no caso. O ex-governador tem 57 anos, de modo que se trata de uma aposentadoria precoce. Fora da política e do setor público, também se consegue aposentadoria nessa idade, mas não nesse valor.

Faça o teste. Vá ao site de bancos que oferecem aposentadorias privadas e faça a simulação. Fiz algumas. Resultado: para se aposentar hoje com essa pensão vitalícia de R$ 23 mil, o ex-governador precisaria ter acumulado um fundo financeiro de R$ 7 milhões, em números redondos. Com essa grana e uma rentabilidade média de 6% ao ano, razoável para um país que entra na estabilidade e prudente para um cálculo de longo prazo, Zeca do PT viveria tranqüilo para o resto da vida.

Mas são R$ 7 milhões! Quantos brasileiros conseguem juntar essa riqueza financeira?

Zeca certamente não acumulou esse dinheirão. Como vai receber a pensão do governo do Estado, você adivinhou: quem fez a poupança do ex-governador foi o contribuinte de Mato Grosso do Sul e do Brasil todo, já que o Estado recebe parte dos impostos federais.

Tudo somado e subtraído, a conclusão é simples: o ex-governador está se apropriando de R$ 7 milhões do erário.

De onde vem esse suposto direito? Do fato de ter sido governador do Estado por oito anos. Seria um prêmio pelo exercício da estafante tarefa?

Mas não foi obrigatória. O político candidatou-se, livremente, duas vezes, lutou pelo cargo. Como seria se este fosse um país normal? Como qualquer cidadão, Zeca faria contribuições mensais para seu sistema de Previdência, antes e depois do exercício do cargo, e se aposentadoria conforme as regras comuns.

Por que não é simples assim? Por que tanta gente acha normais essas aposentadorias especiais para autoridades e ex-autoridades? Repare: essas aposentadorias para ex-governadores e ex-políticos se espalham pelo País e com uma vantagem a mais: quando o pensionista arruma um outro emprego, continua recebendo a pensão.

É da cultura nacional: a primeira atitude que toma a pessoa ao ser investida de autoridade é achar que não precisa mais respeitar as leis e as regras ditas comuns.

Isso inclui desde situações rotineiras (como estacionar o carro oficial em local proibido e furar filas) até arrumar generosas bocas livres.

Uma das primeiras decisões tomadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) foi garantir a todos os seus funcionários, fiscais ou não, o direito de viajar de graça em qualquer rota, a qualquer dia, incluídos fins de semana.

Mas inclui coisas mais caras para o contribuinte.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal - ainda bem - derrubou uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que permitia a certa categoria de servidores receber salário acima do teto. Antes, o Supremo havia derrubado outra decisão, do mesmo Tribunal, que permitia aposentadorias e pensões acima do teto. Parece que esse tribunal paulista gasta a maior parte de seu tempo procurando um jeito de furar o teto salarial. A propósito: é dos piores Tribunais do País no que se refere à eficiência.

Ainda na semana passada, a Assembléia Legislativa de Minas aprovou lei que inclui quase duas mil autoridades no regime de foro especial. Agora, deputados, secretários estaduais, juízes, conselheiros do Tribunal de Contas, o vice-governador e o advogado-geral do Estado só podem ser processados pelo procurador-geral de Justiça, e não mais por um promotorzinho qualquer.

Como a Procuradoria-Geral não tem estrutura para processar tanta gente e tantos casos - afinal, se um deles bater uma carteira ou encher a cara e bater o carro, cai no foro especial -, resulta na impunidade. Assim como o Supremo não consegue instruir, processar e julgar os casos de autoridades federais que caem lá.

Aliás, alegam os juízes do Supremo que o órgão não tem estrutura para isso, o que pode ser verdade. Mas não fazem nem um esforço extra? Não criam uma força-tarefa para tocar esses casos? Nada? Só dizem mais ou menos o seguinte: ¿Lamentamos, mas não vai dar, não é culpa nossa se não nos dão estrutura.¿

Outro caso exemplar da semana veio do Amapá.

A Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA, pertencente ao governo estadual, distribuidora de energia) deve R$ 338 milhões à Eletronorte, estatal federal que lhe fornece a energia. Deve ainda R$ 230 milhões em tributos. Não cobra da maior parte de seus consumidores, especialmente de órgãos públicos. Em resumo, é ineficiente, improdutiva e está quebrada - tal foi a conclusão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que regula o setor. Por isso a agência está propondo a cassação da concessão e a abertura de licitação para entregar o sistema a outra empresa. Proposta sensata e de acordo com a lei.

Mas não vale. O senador José Sarney, maranhense, eleito pelo Amapá, arrancou do presidente Lula a garantia de que a CEA não será privatizada nem perderá a concessão. Disse que será formada uma comissão para encontrar uma ¿solução política e não meramente contábil¿.

Ou seja, a conta vai para o governo federal, a viúva, que vive do seu, do meu, do nosso dinheiro. Em tempo: Sarney manda e nomeia diretores no sistema elétrico estatal há muitos anos. É ¿dono¿ da Eletronorte.

Lição: toda vez que você ouvir falar de pensão vitalícia, foro especial e solução política para qualquer coisa, pode pôr a mão no bolso.