Título: Abin afirma ser 'inteligência surda' e pede a Lula licença para grampear
Autor: Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/07/2007, Nacional, p. A4

Cúpula do órgão quer reforço no orçamento e mudança na lei para poder fazer escutas com autorização judicial

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quer deixar de ser uma ¿inteligência surda¿. A direção do órgão prepara um pedido formal para que o presidente Lula patrocine mudanças na legislação para permitir a seus agentes fazer escutas em telefones e ambientes, havendo autorização judicial.

O pedido da Abin e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) será analisado em reunião que o presidente fará com os principais assessores para tratar dos rumos do serviço brasileiro de inteligência. Depois do que aconteceu em maio, quando o governo foi surpreendido pela invasão da usina hidrelétrica de Tucuruí por integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Atingidos por Barragens, o Planalto concluiu que chegou a hora de discutir que Abin o Brasil precisa ter.

A cúpula da agência define um conjunto de propostas que vai da mudança na Constituição para permitir escuta ambiental e interceptação telefônica e de comunicações - sempre mediante autorização judicial - até o aumento do orçamento para modernizar seus equipamentos e ampliar seus quadros em ao menos 20%, nos próximos três anos, com melhoria salarial. Quer também proteção da identidade dos agentes.

¿Não temos capacidade de ouvir, somos uma agência de inteligência surda¿, desabafou o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Armando Félix, a quem a Abin está subordinada. ¿Mas não queremos acesso à escuta ambiental indiscriminada. Queremos ter essa capacidade para combater, por exemplo, a espionagem¿, disse o general, ao explicar que a Abin tem obrigação de ajudar empresas estratégicas a se protegerem contra espionagem industrial, de defender a agricultura e a pecuária contra a sabotagem - como ocorre quando alguém libera intencionalmente vírus ou praga - e de monitorar pessoas com fins criminosos.

¿Sabemos, por exemplo, onde essas pessoas vão, com quem elas falam, mas não sabemos o que elas falam porque não podemos usar escutas ou interceptações¿, disse o ministro do GSI. Em sua avaliação, são três as áreas ¿indispensáveis¿ para a escuta ambiental: espionagem, sabotagem e proteger a própria estrutura do sistema de inteligência. ¿Vamos pedir isso ao presidente¿, adiantou.

Para o presidente da Abin, Márcio Buzanelli, a autorização para escutas legais ¿será um marco na evolução do trabalho da Abin¿. Hoje, diz ele, faltam instrumentos importantes para sua atuação plena, como ocorre em outros países. Buzanelli diz que a Abin ¿é um órgão de defesa dos interesses nacionais e não tem nada a ver com os modelos pretéritos, porque é um serviço de inteligência de um país democrático¿.

Buzanelli sustenta que a Abin de hoje não é uma herdeira do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que atuou durante os governos militares (1964-1985). ¿Saímos da Guerra Fria e estamos vivendo em um mundo completamente diferente do que era o mundo dos tempos do SNI¿, diz. ¿A Abin não é filha do SNI. É herdeira de um serviço de inteligência implantado em 1927, durante o governo democrático do presidente Washington Luiz.¿ Ele acrescenta que, em 1946, após o Estado Novo, outro governo democrático reorganizou a inteligência, com o nome de Serviço Federal de Informações e Contra-informações, novamente reorganizado em 1958, por Juscelino Kubitschek.

FALHAS NA ESTRUTURA

Tanto o ministro Félix quanto Buzanelli respondem às críticas ao papel desempenhado pela Abin defendendo ampliação de sua estrutura. ¿A Abin para ser onisciente - ou seja, tudo saber - tem de ser onipresente - ou seja, tem de estar em todos os lugares¿, defende Buzanelli. ¿Temos uma estrutura pequena para acompanharmos um país do tamanho do Brasil¿, complementa o general Félix.

Hoje a Abin tem cerca de 1.500 funcionários, orçamento de R$ 33 milhões para pagamento de pessoal e atividades de inteligência e conta com 69 escritórios e subunidades no Brasil e no exterior. Buzanelli quer ampliar a presença internacional de seus agentes, pede mais R$ 10 milhões para seu orçamento e deseja aumentar em 20% o número de servidores nos próximos três anos.

Também quer modernizar seus equipamentos. ¿Eles estão muito desatualizados¿, reconhece o ministro-chefe do GSI. A proposta é que para se modernizar a Abin receba R$ 4 milhões ao ano, durante cinco anos. ¿Nosso orçamento não permite investimentos¿, afirma o general Félix, acrescentando que o Brasil gasta no setor muito menos do que outros países de porte semelhante.