Título: Que liderança é essa?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/05/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo brasileiro continua a apoiar a criação do Banco do Sul, uma aventura financeira agora com data marcada para começar. Reunidos em Quito, ministros da Economia e da Fazenda do Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e Venezuela marcaram para junho a assinatura da ata de fundação. A idéia é constituir um banco de desenvolvimento e um fundo de estabilização - este destinado a cumprir o papel de um Fundo Monetário bonzinho e provavelmente irresponsável. O governo brasileiro, representado no encontro pelo ministro Guido Mantega, insiste em participar da elaboração do projeto. Esta exigência seria só uma redundância, risível como tantas outras, se não denunciasse o cerco imposto às autoridades brasileiras pelos mais ativos defensores da proposta, os presidentes Néstor Kirchner, da Argentina, Hugo Chávez, da Venezuela, e Rafael Correa, do Equador. Este foi o principal formulador da idéia de um FMI disposto a socorrer sem condições países sul-americanos em crise.

Lançada no começo do ano passado, a proposta do Banco do Sul tinha uma inspiração facilmente identificável. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, havia assumido o papel de refinanciador do governo argentino. Este havia perdido o acesso aos bancos internacionais depois do calote da dívida pública e se mantinha em conflito mais ou menos aberto com as instituições multilaterais. O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, tinha os mais evidentes motivos para se juntar a Chávez na busca de fontes alternativas de crédito. Não seria difícil mobilizar o apoio de alguns governantes da região. Os presidentes do Chile e da Colômbia, menos propensos a aventuras, nunca se mostraram entusiasmados com a idéia. O governo brasileiro pareceu admiti-la, inicialmente, apenas para resolver o assunto de maneira mais simpática e, na sua concepção, mais diplomática.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus principais auxiliares pareceram manter essa atitude até a recente reunião presidencial na Ilha Margarita, na Venezuela. Nesse encontro, o presidente brasileiro insistiu numa clara definição dos objetivos do Banco do Sul antes de qualquer compromisso. Seria, enfim, a manobra necessária para a liquidação da idéia?

Quem teve essa impressão errou, tudo indica, por excesso de otimismo. Apesar de alguma ressalva ou exigência, as autoridades brasileiras agora se mostram mais claramente dispostas a embarcar na aventura. O presidente Lula falou sobre o assunto em Santiago do Chile, no dia 26, no encerramento da reunião latino-americana do Fórum Econômico Mundial. A referência não foi provocada por uma pergunta nem por uma observação de qualquer participante do encontro. Constava do discurso escrito e foi, portanto, programada.

Antes de embarcar para Santiago, Lula deu entrevistas a jornais chilenos e mencionou a ambição de ver adotada até o fim de seu mandato a moeda única do Mercosul. A idéia envolve a criação de um banco central para o bloco ou, mais ambiciosamente, para a região.

A conversa a respeito da moeda única para o Mercosul tem sentido, mas não para ser traduzida em ação em prazo tão curto. Será preciso cuidar de uma porção de outras tarefas antes disso, a começar pela deficiente integração comercial do bloco e da região. Mas esse objetivo de longo prazo não envolve, necessariamente, a fundação de um banco regional de desenvolvimento nem a instalação de um fundo de estabilização para servir como alternativa generosa ao FMI. Objetivamente, nenhum desses dois organismos atende aos interesses financeiros e econômicos do Brasil e não há motivo razoável para se prolongar a discussão.

De duas, uma: ou o governo brasileiro está sendo arrastado à aventura, por ser incapaz de resistir às pressões de Chávez, Kirchner e Correa, ou a assessoria diplomática de Lula gosta da idéia e convenceu o presidente a adotá-la como indispensável à sua pretensa liderança regional. O governo erra em qualquer das duas hipóteses. Num caso, por não saber dizer não. No outro, por avaliar incorretamente os chamados custos da liderança. Para o Brasil, esses custos têm-se traduzido, quase invariavelmente, na aceitação de imposições dos parceiros sul-americanos, incluída extensa bateria de medidas protecionistas argentinas. Se isso é liderança, melhor não tê-la.