Título: Geléia geral
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/04/2007, Nacional, p. A6

Obcecado em obter sucesso no plano de voltar à Presidência da República em 2010, o PSDB está hoje muito mais preocupado em encontrar um atalho que o leve até a rampa de entrada do Palácio do Planalto do que em construir um projeto partidário de reaproximação com a sociedade, como havia sido proposto logo depois da derrota de Geraldo Alckmin para o presidente Luiz Inácio da Silva, em 2006.

De lá para cá, no lugar da renovação, o partido só fez aprofundar a atuação ambígua que para muitos analistas e cientistas políticos foi a razão de os tucanos terem realizado um feito inédito em eleições e perdido votos do primeiro para o segundo turno.

Reeleito Lula, o PSDB abandonou o ímpeto denunciatório, acertou-se com o governo para esvaziar os resultados da CPI dos Sanguessugas, foi decisivo para a eleição do PT para a presidência da Câmara - a despeito da presença de um candidato tucano na disputa - e, na CPI do Apagão Aéreo, não abraçou a tese do Democratas (ex-PFL) de dar prioridade à investigação no Senado, onde a correlação de forças favorece a oposição; sob o argumento de que a Câmara tem primazia, resolveu confiar no equilíbrio prometido pela maioria governista de 23 contra 7 deputados integrantes da comissão.

O anunciado processo de reformulação do PSDB - que incluiria a troca de comando do partido, a afirmação de posições sobre temas de interesse do Brasil, o cumprimento de uma agenda de ações com os outros parceiros de oposição e principalmente uma atuação que desse ao eleitorado a idéia nítida do contraponto ao governo Lula e mostrasse com clareza as razões pelas quais os tucanos poderiam postular a retomada do comando do País - cedeu lugar à aceitação de uma parceria tácita com o governo, de neutralização mútua de posições.

De um lado, o Planalto obtém do maior partido de oposição o compromisso informal de não atrapalhar a trajetória de Lula rumo à História, não lhe criando embaraços desnecessários e colaborando no isolamento dos oposicionistas mais radicais. De outro, o PSDB recebe do governo salvo-conduto não escrito para sonhar com a hipótese de vir a ter sua candidatura avalizada pela popularidade de Lula onde os tucanos mais precisam: na base social do presidente.

Como a máquina do partido está quase toda sob controle do governador de São Paulo, não é exagero afirmar que o PSDB atua como comitê eleitoral de José Serra, curvando-se às conveniências da candidatura futura.

Se as coisas continuarão assim daqui até a campanha eleitoral, se o outro pré-candidato, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, lutará por ¿dentro¿, mudará de partido ou desistirá da empreitada em nome da chance de disputar em 2014 só os próximos lances dirão.

Por enquanto é inegável a aproximação, senão entre PT e PSDB com vistas à sempre presente hipótese de uma aliança entre os dois partidos, pelo menos entre personagens palacianos e o grupo de Serra.

Nos bastidores, os governistas falam abertamente de um cenário de hegemonia política assim desenhado: PT na centro-esquerda, PMDB ao centro e PSDB na centro-direita. Os outros partidos existiriam só para constar.

Essas conversas são plenas de elogios ao governador de São Paulo que, informado das gentilezas, não reage com surpresa. Ao contrário, mostra-se consciente delas. Nenhuma das partes trata oficialmente de alianças eleitorais.

Se houver, passarão por São Paulo e implicarão negociações difíceis, pois PT e PSDB são fortes em São Paulo, têm eleitorados definidos que se opõem entre si e, no caso de coligações, um dos dois teria de abrir mão de seu projeto político.

Por enquanto não é verossímil imaginar que tucanos ou petistas abririam mão, por exemplo, de disputar a Prefeitura de São Paulo em nome de um acerto para a sucessão de Lula em 2010.

A menos que as cúpulas partidárias tenham em seus respectivos horizontes um cenário em que já não haja diferenciação nítida entre um e outro e que nos seus planos esteja uma agenda de alternância consentida de poder sem oposição forte.

Se é isso o que combinam, podem até criar uma grande inovação no quadro partidário. Mas prestarão também um enorme desserviço à democracia no Brasil, que passará a viver a inusitada condição de um país sem oposição, sem espaço para que as diferentes correntes de pensamento político expressem suas divergências no campo institucional.

Espontânea vontade

Ainda que seja cedo para definir com segurança os movimentos eleitorais - e é, pois o ensaio geral de 2010, a eleição municipal, só acontece daqui a um ano e meio -, a existência de um pacto de não agressão entre PT e PSDB ficou ainda mais evidente depois que o presidente Lula disse ontem que ¿não se governa só com aliados¿.

Pois é com aliados mesmo que se governa. Oposição existe para se opor. A não ser quando existe, da parte dos oposicionistas, a abdicação voluntária desse ofício delegado pelas urnas, como indicou o presidente.