Título: Bons ventos para o púlpito de Lula
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/04/2007, Economia, p. B2

Perfeita a charge de Paulo Caruso no Jornal do Brasil de quinta-feira passada. Ilustraria muito bem um teorema que, parodiando Lavoisier, dissesse: num sistema fechado, a soma dos problemas do país e das aflições do povo é inversamente proporcional à popularidade do presidente.

Espalhados pelo chão, como ladrilhos quebrados, as aflições do povo e os 'pobrema' deste Brasil - desde o do mensalão até o do apagão aéreo, passando por vários outros, entre os quais convém não esquecer o da patética novela da escolha de ministros. Mas, no púlpito, de cima dos 63,7% de aprovação popular, apurada na última pesquisa CNT/Sensus, e impando de satisfação, um presidente Lula exibe, sorridente, sua pele de teflon, na qual problema nenhum consegue 'pegar'.

Esse é um dos mais intrigantes fatos do momento atual. Por dever de ofício, cabe aos sociólogos, politicólogos, mercadólogos, futurólogos e outros altos especialistas tentar desvendar. Ao jornalista ocorre apenas a evidência que precisa ser levada em consideração pela oposição e pela situação, pelos amigos e inimigos de Lula, por quem o admira e por quem o detesta. Enfim, por todos os que acham necessário e importante ter uma idéia de para onde essa singular figura da nossa vida política ruma ou pretende rumar.

E essa evidência é a seguinte: de um lado, estão os problemas do Brasil e as aflições do povo; de outro, a popularidade do presidente. As duas coisas não se encontram, estão completamente separadas uma da outra, uma não tem nada que ver com a outra. E, quanto mais trapalhadas o governo fizer, quanto mais alheio e inoperante ele se mostrar, coisa que até as crianças estão testemunhando, maior prestígio popular o presidente terá. Simplesmente porque as trapalhadas e a inoperância não serão a ele atribuídas, e sim 'aos que não deixam o homem governar'.

É uma coisa meio mágica essa de liderança, política ou de qualquer tipo. Há o líder que é admirado, respeitado, prestigiado pelo que diz, pelo que faz, pelo que aconselha, por como se desincumbe da sua missão ou atribuição. Enfim, pelo seu conteúdo. E há o líder que simplesmente é amado, endeusado, por sua figura, por suas maneiras, pelo seu jeitão, sem que quase nada fundamente sua liderança.

Tomemos a mais famosa dupla do mais popular esporte do mundo: Pelé e Maradona. O público brasileiro respeita e admira Pelé. Mas Maradona é fanaticamente endeusado pelos seus fãs argentinos. Por quê? Certamente por algo que emana da sua personalidade.

Na política brasileira nós tivemos duas personalidades que inspiravam paixões por onde passassem, a despeito do que estivessem fazendo ou de como estivessem governando: Getúlio e Juscelino. O governo deste último, no que se refere às finanças públicas, foi uma das maiores calamidades nacionais, mas o público nem estava aí, adorava o jeitão do homem, que, certamente, teria sido eleito de novo, por isso o governo militar teve de cassá-lo. A atuação administrativa de Getúlio foi mais estruturante e de influência mais longeva. Mas era o seu jeitão, mais do que a sua obra, que eletrizava o povo.

Os analistas de hoje, que esmiúçam com angústia as contas e os procedimentos do governo Lula, se já trabalhassem naqueles dias, com os mesmos raciocínios, prognosticariam completo desastre financeiro para os dois governos - o que, de fato, aconteceu. Mas não teriam como imaginar a posição que as duas figuras viriam a ocupar, para sempre, nas mentes e nos corações dos brasileiros.

Lula vai-se consolidando e se equilibrando no mesmo pedestal do jeitão e do prestígio popular. Seus disparates verbais, que não se resumem a solecismos e ofensas à semântica, revelam um desacorçoante primarismo de visão do mundo e dos fatos. Na cesta desse balão fátuo se aninha uma das mais desastradas e desorientadas equipes de governo e de auxiliares políticos que este país já teve. Não obstante...

E, sobretudo, há o fator sorte. Lembremos algumas das manchetes da semana passada sobre o World Economic Outlook, divulgado pelo Fundo Monetário Internacional: FMI diz que País crescerá mais do que prevê o governo (Estado); Expansão global deve continuar, diz FMI (Valor); FMI prevê mais dois anos de forte expansão (Gazeta Mercantil); FMI afirma que Brasil vai subir a grau de investimento (Folha de S.Paulo). O Globo garimpou um achado estranho no documento: FMI se alia a Fidel contra Lula e Bush (?) - estranho mesmo -, mas na manchete interna dizia: FMI prevê crescimento maior e sugere juro menor.

Está aí. O prognóstico é que a economia internacional continue a puxar o Brasil pra frente, como desde que Lula assumiu.

E aqui dentro?

Aqui dentro há duas coisas se conjugando para pavimentar a boa estrada do desenvolvimento. Nenhuma delas é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas podem ajudá-lo. Uma é a queda dos juros, com dois efeitos principais: 1) Torna os investimentos mais baratos; e 2) traz mais recursos para o investimento produtivo. É que o rendimento das aplicações meramente financeiras é cada vez menos atraente, o que leva grandes aplicadores a diversificar, a participar de negócios reais mais rentáveis do que a Renda Fixa. Isso já ocorre principalmente no setor de imóveis.

A outra coisa é a recuperação da agropecuária, cujos efeitos sobre a atividade industrial não são desprezíveis. Os setores de veículos de transporte, de máquinas agrícolas, de instalações de agronegócios, da indústria alimentícia já sentem os bons ventos da agricultura, cuja produção para este ano é estimada em R$ 188 bilhões, cerca de 8,6% maior do que no ano passado.

Conclusão: apesar da virtual paralisia do governo, que não consegue sequer pôr em marcha o seu PAC, não será surpresa que a economia brasileira - turbinada exclusivamente por investimentos privados - cresça 5% neste ano de 2007, e talvez até 6% no próximo.

Sorte nossa, se o vaticínio se consolidar. Mais sorte, ainda, para o guia genial da Nação, que, no jantar com o PMDB na semana passada, disse já ter alcançado 'o ápice de um ser humano'(???). Trombada na semântica, mas não repúdio firme a um terceiro mandato.