Título: Barreiras ao nosso etanol
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Antes que as usinas de açúcar e álcool se vejam inteiramente mergulhadas numa euforia de produção, tendo em vista as perspectivas de exportação do etanol, graças ao interesse norte-americano em valorizar alternativas ao combustível fóssil, é preciso desfazer, com a devida urgência, a má imagem que nossa produção alcooleira desfruta no exterior, nas áreas trabalhista e ambiental.

São conhecidas lá fora as péssimas condições de trabalho dos cortadores de cana, no tocante à terceirização irregular, à falta de equipamentos de proteção e de transporte adequado e, sobretudo, à intoxicação provocada pela queima da palha da cana, como primitivo método de pré-colheita.

E aí se liga a barreira trabalhista à ambiental, visto que entidades do exterior, preocupadas com o tratamento precário dado às pessoas que trabalham, têm condições de afugentar tanto investidores quanto compradores do combustível renovável brasileiro, constituindo assim barreiras para nosso produto mais deletérias do que as tarifárias ou as fitossanitárias. Nestes tempos de preocupação extrema com as mudanças climáticas decorrentes do efeito estufa, que tem por comprovada causa principal as emissões de dióxido de carbono, não são apenas a produtividade - como a que temos - nem a necessidade do produto - como se imagina que terá o mundo, em relação ao etanol - que determinam o êxito do comércio internacional. Cada vez mais se impõe a demanda internacional pela ¿origem limpa¿ dos produtos - e isto é conseqüência do poder de pressão cada vez maior das entidades sociais e ambientalistas sobre as sociedades em que se inserem, influenciando ou modificando hábitos de consumo.

Merece uma preocupação à parte o problema das queimadas.

Tem-se manifestado sobre o tema o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo José Renato Nalini - tanto pela imprensa quanto no voto vencido em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) do Sindicato Rural de Ribeirão Preto contra dispositivo legal daquele município (Lei Complementar nº 1.616, de 1º de janeiro de 2004, art. 201) que proíbe as queimadas nas áreas rurais do município, inclusive as queimadas associadas a práticas agrícolas e ao preparo para a colheita da cana-de-açúcar. Lembra o desembargador que existem, na legislação paulista, dispositivos que determinam a eliminação do uso do fogo como método despalhador e facilitador do corte da cana-de-açúcar (art. 1º da Lei nº 11.241 de 19/9/02, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 47.700 de 11/3/04), embora a mesma legislação (art. 2, idem) estabeleça tal gradação na obrigatoriedade de diminuir as queimadas, no decorrer dos anos, que acaba concedendo absurda moratória, pela qual só no ano de 2031 essa prática estará finalmente proibida!

A certa altura de sua decisão contrária à pretensão do Sindicato Rural de Ribeirão Preto, escreve o desembargador: ¿Dos onze argumentos (invocados pelo Sindicato) extrai-se que não se pretende investir em estratégia menos primitiva (do que a das queimadas) e a intenção de transformar o Estado de São Paulo num imenso canavial, como se essa fora a única destinação da terra bandeirante.¿ E menciona ele o artigo 225 da Constituição, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender um meio ambiente ecologicamente equilibrado para preservá-lo ¿para as presentes e futuras gerações¿, com este comentário: ¿Pela primeira vez o constituinte explicita um direito intergeracional no texto fundante. O zelo em relação ao meio ambiente decorre da necessidade da preservação da vida no planeta. Não são apenas os viventes os titulares desse direito, mas - principalmente - as futuras gerações.¿

Aí está expressa, de forma sucinta, a grande preocupação que todas as nações do planeta têm em relação ao meio ambiente, especialmente agora, ante os últimos dados sobre os efeitos catastróficos das mudanças climáticas. É uma preocupação real, com as atuais e futuras gerações. Assim, a mesma motivação que leva à busca do combustível alternativo, como o etanol, poderá levar a seu repúdio, se ¿limpa¿ não for sua origem socioambiental.