Título: As amarras da indústria
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2007, Notas e Informações, p. A3

Depois de muito rojão e muita fanfarra, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece ter percebido a má situação da indústria de transformação, confirmada pelo novo retrato da economia divulgado na terça-feira passada pelo IBGE. Até esse momento, ele e outras figuras do governo haviam festejado os novos números do Produto Interno Bruto (PIB) como se trouxessem apenas boas notícias. Um mínimo de atenção bastaria para mostrar que a revisão dos dados não trouxe apenas boas novidades. Mas o ministro pouco se deteve no comentário sobre as empresas manufatureiras. Disse que os dados são preocupantes - crescimento de insignificante 1,06% -, que esse é ¿um setor crucial para o crescimento da economia¿ e que o governo estuda novos estímulos, incluída uma redução de impostos.

O ministro notou que os números da indústria são ruins, mas parece não haver percebido a extensão do problema. As dificuldades não serão eliminadas com a oferta de alguns estímulos ou com uma desoneração tributária semelhante às dos últimos anos.

O baixo crescimento da indústria manufatureira mostra a real extensão dos entraves ao crescimento econômico. O dado mais amplo do setor industrial divulgado pelo IBGE, com expansão de 2,2% em 2005 e 2,8% em 2006, inclui também a extração mineral, a construção civil e a produção e distribuição de eletricidade, gás e água. De todas, as mais afetadas pela tributação pesada e irracional, pelo crédito caro e pelas deficiências da infra-estrutura são as indústrias de transformação, tanto mais afetadas quanto maior a cadeia de processamento.

O ministro acertou ao dizer que esse é ¿um setor crucial para o crescimento da economia¿, mas não está claro se ele percebe o alcance dessa frase. A indústria de transformação continua a ser um núcleo vital para a transformação da economia, para a criação de empregos de qualidade e para a expansão de um setor moderno de serviços. Também o dinamismo do agronegócio está associado ao vigor e à modernidade do seu segmento industrial.

Se o ministro da Fazenda quiser de fato conhecer os problemas e necessidades do setor manufatureiro, ganhará muito com a leitura da Agenda Legislativa recém-divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A CNI prepara anualmente um documento com esse título, indicando as prioridades do setor e analisando projetos em tramitação no Congresso.

No capítulo dedicado a reformas estruturais, os técnicos da CNI destacaram a reforma tributária, a da Previdência e também a política. As duas primeiras são descritas como essenciais para a solução de problemas críticos ¿que explicam o baixo crescimento da economia brasileira nos últimos 20 anos: a expansão contínua do Estado, o desequilíbrio fiscal e o aumento da carga tributária¿. Quanto à reforma política, é fundamental para a governabilidade e para o aperfeiçoamento da democracia. Incentivos, portanto, não são reivindicados nem se mencionam medidas parciais de alívio tributário: o pessoal da CNI tem uma visão sistêmica dos problemas, algo que parece faltar aos formuladores da política econômica.

O documento resume e comenta cada projeto em tramitação no Legislativo, mostrando sua situação atual - muitos estão empacados -, seus benefícios potenciais e seus defeitos. A análise aponta as deficiências da reforma tributária em discussão no Congresso, assim como evidencia, noutro capítulo, a importância da autonomia e da excelência técnica das agências reguladoras. Quanto a esses pontos, a posição da CNI contrasta com aquela revelada pelas ações do governo, que insiste em manter agências subordinadas às conveniências políticas do Executivo. Temas como a simplificação e a maior eficiência do licenciamento ambiental, a regulamentação do setor de gás natural, o aperfeiçoamento do sistema de defesa da concorrência e a atualização das normas trabalhistas também aparecem na Agenda. São questões essenciais para as políticas de competitividade e de crescimento. Ninguém, no governo, deveria falar sobre política industrial sem uma leitura atenta desse documento.