Título: Um compromisso e algumas incertezas
Autor: Di Franco, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos de R$ 503,9 bilhões para ¿romper barreiras e superar limites¿ do crescimento econômico, foi anunciado na semana passada pelo presidente Lula. Depois de três meses de discussão, o governo lançou as bases do programa para o segundo mandato de Lula, mas, como é lógico, dependerá do apoio dos governadores, do Congresso Nacional e do interesse do setor privado para, de fato, destravar a economia e garantir o crescimento.

As ações do governo federal estão concretizadas em sete medidas provisórias, dois projetos de leis complementares, três projetos de lei e oito decretos. A alma do PAC é o programa de investimentos em infra-estrutura.

Do total dos investimentos previstos, R$ 287 bilhões são recursos públicos (orçamento e estatais) e R$ 216,9 bilhões, do setor privado. Em comparação com o que estava previsto, porém, o PAC acrescenta apenas R$ 11,5 bilhões de recursos orçamentários novos este ano. O acréscimo corresponde ao Projeto Piloto de Investimentos (PPI), uma lista de obras prioritárias cujos recursos não podem ser bloqueados pelo Tesouro e cujo valor pode ser descontado da meta de resultado das contas públicas. Para incentivar o investimento privado o governo pretendia reduzir a carga tributária sobre os novos projetos em até R$ 12 bilhões. No entanto, os cortes tiveram de ser mais contidos. As medidas de desoneração somarão R$ 6,6 bilhões este ano. Estímulos novos somam apenas R$ 1,4 bilhão para novos projetos e para estimular a área de TV digital e de semicondutores. Além de desonerar pouco, o pacote contém apenas uma medida de contenção do gasto público: frear o crescimento dos gastos com funcionalismo dos Três Poderes. O nó das contas públicas, o déficit da Previdência Social, será enfrentado com medidas para melhorar a administração e combater fraudes.

As reações, como de costume, variaram muito. Não faltaram aplausos incondicionais, mas também choveram críticas pesadas. Os realistas, que no fundo compõem o perfil dos otimistas com o pé no chão, torcem pelo sucesso do PAC. Mas não sucumbem à síndrome do avestruz. Sabem que a carta de intenções, embora mais modesta do que se imaginava, merece ser apoiada. Mas, por outro lado, temem que o marketing e o otimismo pirotécnico do anúncio não sejam acompanhados da necessária competência na gestão.

Se o anúncio do plano econômico do presidente Lula provocou uma mescla de esperanças e incertezas, o mesmo não se pode dizer do seu projeto político. O compromisso democrático do presidente da República, público e transparente, foi uma aragem de ar puro no rarefeito ambiente institucional do nosso continente.

Lula garantiu que não vai enveredar pelo caminho do populismo econômico nem sacrificar a estabilidade, o esforço fiscal e a democracia para promover o desenvolvimento do País. Na cerimônia em que anunciou o PAC, Lula fez questão de marcar as diferenças entre o programa brasileiro e os modelos estatizantes e autoritários adotados na América Latina. Mesmo sem citar diretamente seus colegas da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, o presidente fez seis referências à necessidade de crescer com democracia. ¿Pouco me interessaria um aumento expressivo do PIB (Produto Interno Bruto) se isso implicasse, o mínimo que fosse, redução das liberdades democráticas. Assim como não adianta crescer sem distribuir, não adianta crescer sem democratizar¿, afirmou Lula.

Três dias depois da Cúpula do Mercosul, que escancarou a animosidade entre os vizinhos, e às vésperas de participar do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o presidente fez um discurso de estadista. ¿Aqui não se cresce sacrificando a democracia, aqui não se fortalece a economia enfraquecendo o social, aqui não se cria ilusões de distribuir o que não se tem, nem de gastar o que não se pode pagar¿, sublinhou Lula.

Esta coluna tem criticado arroubos autoritários de certos assessores do presidente Lula, sobretudo as recorrentes tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa e de expressão. Por isso, o compromisso democrático do presidente da República merece registro e aplauso.

O Brasil, não obstante a gigantesca onda de corrupção que tanto nos envergonha, está melhorando. Não se cura uma doença ocultando os seus sintomas. É preciso lancetar e extirpar o tumor. Custe o que custar. E é isso o que a imprensa tem feito. É o seu dever. É o seu papel.

Ninguém discute que o Brasil tem avançado graças ao esforço dos meios de comunicação. Duvido que o processo democrático possa avançar no terreno empobrecido pela falta de informação. A Venezuela de Hugo Chávez, louvada e festejada por alguns integrantes da equipe presidencial, pode ser tudo, menos um modelo de eficiência e de democracia. O populismo autoritário traz votos no curto prazo, mas gera miséria e crise no longo prazo.

A informação livre é a medula da democracia. Precisamos, sempre, melhorar os controles éticos da informação. Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de criticar as tentativas, claras ou encobertas, de controlar a liberdade de informação. Não se consolida a democracia com controles autoritários e censura. Edifica-se um país, sim, com o respeito à lei e à verdade.

O presidente Lula, homem público criado na democracia, não deve permitir que o radicalismo de alguns possa comprometer o corolário de sua carreira. Seu recente discurso democrático, claro e direto, tem o contorno de um compromisso cabal.