Título: Apesar de apoio, Brasil evitou fornecer armas à Argentina
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2006, Nacional, p. A7

Apesar de adotar posição política favorável à Argentina contra a Inglaterra durante a Guerra das Malvinas, em 1982, a diplomacia brasileira avaliava que o relacionamento com o seu vizinho teria desgastes, já que não aceitava participar de operações de triangulação de envio de armas. O País defendia uma solução negociada. O Estado teve acesso a um conjunto de papéis da ditadura militar, classificados à época como secretos, mas hoje disponíveis no Arquivo Nacional, em Brasília, que revelam os bastidores do governo brasileiro no período.

Inglaterra e Argentina disputavam o direito legítimo sobre as Ilhas Malvinas ou Ilhas Falkland, nome dado pelos britânicos, que ganharam a guerra. Documento do Serviço Nacional de Informações (SNI), datado de 8 de junho de 1982, diz que a triangulação de armas era uma manobra para disfarçar a origem real do material fornecido por um determinado país para abastecer um aliado numa guerra. Assim, não pareceria que apenas um governo fornecia os armamentos, reduzindo uma certa indisposição com a Inglaterra. O Brasil trabalhava com a informação de que a União Soviética já pedira a participação da Líbia nisto.

Na análise feita à época pelo Ministério das Relações Exteriores, enviada ao então presidente João Baptista Figueiredo, o conflito tratava-se de uma situação na qual todos perderiam algo. ¿Mas estávamos procurando, até agora, com êxito, manter as relações brasileiro-argentinas em plano de confiança e não de ressentimento, meta que é do próprio presidente Figueiredo¿, diz o texto.

Ajudar os vizinhos sem ter problemas com a Inglaterra era esforço que a diplomacia brasileira previa não ser suficiente. A principal dificuldade estava na questão das armas. ¿Temos consciência de que os argentinos desejariam mais de nós e que pagaremos um preço por não querermos prestar-nos a operações triangulares de compra de armas. Embora, em contrapartida, não possamos recusar vender-lhes diretamente os produtos não decisivos que fabricamos¿, continua o documento do período militar.

INDISPOSIÇÃO Naquele momento, a diplomacia brasileira enfrentava sua pior situação desde o início do conflito: com problemas técnicos, um bombardeiro britânico Vulcan, totalmente armado, foi escoltado por caças brasileiros até a base do Galeão, no Rio de Janeiro. Enquanto os ingleses exigiam a devolução do aparelho sob pena de ¿deterioração¿ das relações com o Brasil, o governo argentino tentava conseguir que o avião ficasse retido e que não pudesse mais ser usado contra as suas tropas. As autoridades brasileiras trabalharam para atender à reivindicação argentina, tentando melindrar o mínimo possível os ingleses.

Além da insatisfação com a demora na devolução do Vulcan, o governo britânico desconfiava que a Argentina recebia armas da Líbia em operações aéreas que utilizavam o território brasileiro como escala operacional. Mas, de acordo com o documento, os ingleses foram avisados de que o Brasil não confirmava o trânsito de armas. O governo garantia também que havia sido feita, inclusive, vistoria em aviões argentinos para checar a informação.

Os documentos informaram também que o Brasil nem sequer tinha papel de destaque na fabricação de armas para ser um parceiro preferencial da Argentina nesse campo. O País estava em 16º lugar em gastos militares na América Latina. ¿Devido à política de desenvolver localmente a pesquisa tecnológica e a produção de armamentos, nossas Forças Armadas possuem apenas o mínimo indispensável de equipamentos modernos (submarinos, por exemplo), não se colocando, portanto, a questão de transferir diretamente esse tipo de armas à Argentina¿, completa o texto do governo militar.