Título: Guerra dos números inclui apenas munição reciclada
Autor: Ricardo Brandt
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/10/2006, Nacional, p. A7

Depois de três debates neste segundo turno, os dois candidatos à Presidência parecem ter esgotado a munição que tinham para atacar um ao outro. Na TV Record, na segunda-feira, o presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin repetiram argumentos usados nos embates anteriores e praticamente não responderam às perguntas.

O candidato do PSDB tentou mais uma vez, sem sucesso, provocar o rival com questões sobre os escândalos de corrupção de seu governo. 'É um governo parado na economia e acelerado nos escândalos.' Lula repetiu que os escândalos só estão aparecendo porque o atual governo está mais aberto do que o anterior às investigações.

O petista fugiu de perguntas sobre gastos sigilosos com cartões corporativos da Presidência, argumentando que se referem a despesas da Polícia Federal e da Agência Brasileira Inteligência (Abin), que não podem ser divulgados por questão de segurança. Na verdade, vários órgãos usam esse sigilo para não prestar contas. Dos R$ 3,7 milhões gastos entre janeiro e agosto pela Secretaria de Administração do Gabinete da Presidência, por exemplo, R$ 3,6 milhões são mantidos sob sigilo.

Lula ressaltou a queda do nível de pobreza nos últimos anos e os aumentos salariais de algumas categorias. E omitiu que a renda média das famílias caiu de R$ 464,54 em 2001 para R$ 435,81 em 2005. Ou seja, apesar de o Bolsa-Família ter melhorado a vida de muitos miseráveis, cerca de 60% dos brasileiros ficaram mais pobres ou estagnados. A taxa de desemprego permanece acima de 11%.

Também usou um falso marketing ao dizer que tinha devolvido US$ 15 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para que 'não desse mais palpite' na política econômica. Mas uma das primeiras medidas de Lula na Presidência foi elevar o superávit primário (economia para pagamento de juros) acima da meta mínima prevista no acordo com o FMI. Hoje, às vésperas das eleições, o presidente mudou o discurso e passou a criticar o corte de gastos, defendido pelo adversário do PSDB.

Ele citou ainda rombo de R$ 1,2 bilhão nas contas do Estado de São Paulo que não existe. Pelos dados da própria Secretaria de Tesouro Nacional, São Paulo acumulava no fim de 2005 R$ 5,7 bilhões em restos a pagar, mas tinha R$ 10,1 bilhões em caixa. E nos oito primeiros meses do ano, o Estado economizou R$ 9,2 bilhões para o superávit primário.

De seu lado, Alckmin voltou a inflar o número dos cargos de confiança do governo, na tentativa de mostrar Lula como um presidente que desperdiça recursos e emprega apadrinhados. Em 2005, havia 19.925 pessoas em cargos de Direção e Assessoramento Superior no governo Lula, e não os '40 mil' sugeridos pelo tucano. Desse total, 7.422 foram preenchidos ou substituídos por indicados do PT e dos partidos aliados. O restante é de pessoas que já estavam no cargo desde a administração anterior.

Alckmin exagerou ainda ao dizer que o governo Lula está 'destruindo a indústria brasileira', com base em números da balança comercial, que indicariam um processo de exportação de matérias-primas e importação de produtos manufaturados. A participação dos produtos manufaturados nas exportações está estabilizada em torno de 55% desde o governo anterior. Mas de fato estão crescendo mais as importações de bens de consumo do que as de bens de capital.