Título: O ajuste talvez fique para 2008
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/10/2006, Economia, p. B2

É aconselhável que os dois candidatos à Presidência da República leiam o relatório preliminar sobre a proposta orçamentária para 2007, apresentado na sexta-feira pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), relator do Orçamento. Lá está dito que as despesas correntes do governo, em particular as vinculadas ao salário mínimo e ao pagamento do funcionalismo público, continuarão crescendo em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano. Ou seja, continuarão aumentando mais do que o ritmo de crescimento da economia.

Portanto, se o futuro presidente quiser que os gastos em 2007 fiquem 0,1% do PIB abaixo dos gastos deste ano, como manda o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) que aguarda aprovação do Congresso, terá de cortar R$ 5,2 bilhões de outras despesas correntes, estimou Raupp em seu relatório, que pode ser acessado no endereço http://www.camara.gov.br/internet/comissao/com_dstaqs_1.asp?id=5967&link=inde x/mista/orca/c_orca.asp.

O relatório chama a atenção para o fato de que o reajuste de 16,6% para o salário mínimo e os aumentos de salários para o funcionalismo, concedidos pelo presidente Lula às vésperas da eleição, terão forte impacto nas contas do governo em 2007. Segundo Raupp, as despesas com os benefícios previdenciários, que sofrem impacto direto das flutuações do piso salarial, subirão de 7,82% do PIB este ano para 8,06% do PIB em 2007 - uma elevação de 0,24 ponto porcentual do PIB. As despesas com o funcionalismo passarão de 5,12% do PIB para 5,19% do PIB - mais 0,07 pp do PIB. O aumento das duas despesas será de 0,31 pp do PIB.

O futuro presidente teria, portanto, de fazer um corte equivalente a 0,31 pp do PIB em outros gastos correntes apenas para que o total das despesas em 2007 fique igual ao deste ano. O corte não poderia ser feito nos investimentos, pois eles não são despesas correntes. Teria de atingir o custeio da máquina, os benefícios assistenciais, os gastos com a saúde e a educação, entre outros. Ou seja, é provável que o programa fiscal do próximo governo não comece acatando a regra de redução de gastos em seu primeiro ano.

Em conversa com este colunista, o senador Raupp disse que o caminho deve ser este mesmo. Segundo ele, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), senador Romero Jucá (PMDB-RR), aceitou suprimir de seu parecer, aprovado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso, o item que prevê a redução das despesas correntes primárias em 0,1% do PIB no ano que vem, em relação a 2006. 'O entendimento das lideranças partidárias é nessa direção', informou Raupp. O ajuste fiscal indispensável para que o País volte a crescer em ritmo mais acelerado talvez fique, portanto, para 2008.

A queda dos juros e o maior crescimento da economia, projetados pelo mercado para o próximo ano, darão uma folga ao governo na área fiscal. O mercado projeta uma taxa básica de juros da economia (Selic) de 12,5% para dezembro de 2007. Hoje, ela está em 14,25% ao ano. A estimativa para a taxa Selic média no próximo ano é de 13% contra 15,13% este ano. A expectativa, portanto, é de forte queda no pagamento de juros da dívida, o que facilitará a redução da dívida em proporção do PIB, o principal indicador da solvência das contas públicas.

Ao mesmo tempo, o crescimento mais forte da economia ajudará nos indicadores fiscais. A razão é que eles são contabilizados em proporção do PIB. Assim, é fácil perceber que se as despesas crescerem em ritmo menor do que o aumento da economia, elas cairão em proporção do PIB. O problema é que as despesas correntes no próximo ano já estão contratadas e projetam um forte aumento em relação a 2006.

É importante lembrar que as despesas correntes aumentarão em 2007 em proporção do PIB, de acordo com o relatório do senador Raupp, mesmo com a estimativa de crescimento real de 4,75% para a economia. Ou seja, se a expansão econômica for menor - o mercado projeta crescimento real de 3,5% em 2007 -, as receitas serão menores e os indicadores fiscais, piores.

Nunca é demais observar que a proposta orçamentária para 2007 projeta um novo aumento da carga tributária federal. Segundo o relatório do senador Raupp, a receita com os tributos federais, diretamente arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, passarão de 17,24% do PIB este ano para 17,41% do PIB. A receita primária total da União atingirá 26,24% do PIB, ante 26,14% do PIB estimado para este ano.

Isso significa que, mais uma vez, o ajuste das contas públicas está sendo feito com a elevação da carga tributária. Os dois candidatos à Presidência da República prometem justamente o contrário: redução dos gastos em proporção do PIB para que seja aberto espaço, dentro do Orçamento, para o aumento dos investimentos em infra-estrutura e para a redução da carga tributária. A primeira indicação que o futuro presidente dará ao mercado está relacionada ao Orçamento do próximo ano. Ele terá de dizer se irá mantê-lo ou cortá-lo.

Até agora, o sinais emitidos pelo comando da campanha da reeleição do presidente Lula não são favoráveis ao controle dos gastos. Em entrevista ao repórter Fábio Graner, da Agência Estado, o assessor econômico da campanha de Lula, Nelson Barbosa, admitiu uma redução do superávit primário nos próximos anos para que ocorra mais investimentos em infra-estrutura. Isso significa que o presidente reeleito poderá utilizar o espaço aberto com a redução das despesas com o pagamento de juros para elevar os investimentos e não para reduzir a dívida.

Como a queda dos juros e o crescimento econômico são as variáveis-chave do ajuste, a questão que se coloca é saber se o próximo governo não terá de dar uma indicação ao mercado sobre o que pretende fazer na área fiscal nos próximos anos. Se o governo não mostrar claramente que deseja controlar as despesas correntes, abrir espaço para o aumento dos investimentos em infra-estrutura e reduzir a carga tributária é muito provável que a margem para a queda dos juros seja reduzida.

O controle dos gastos públicos depende da redução do ritmo de crescimento das despesas da Previdência Social, da área de saúde e do pagamento de salários do funcionalismo público, principalmente. A agenda do crescimento envolve, portanto, desafios políticos difíceis de serem enfrentados pelo futuro governo, principalmente porque essas questões não estão presentes no debate eleitoral. Por isso, talvez falte autoridade moral ao futuro governo para executar a agenda do crescimento.