Título: Brasil promete investir se Bolívia recuar
Autor: Lu Aiko Otta e Leonardo Goy
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2006, Economia, p. B6

O governo brasileiro não vai esperar a decisão do segundo turno eleitoral para tentar fechar um acordo com a Bolívia, disse ao Estado o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Originalmente, ele deveria estar em La Paz hoje, para retomar as negociações sobre a transferência do controle das refinarias da Petrobrás para os bolivianos e para definir como a estatal brasileira seguirá atuando no mercado de combustíveis daquele país. No entanto, essa reunião foi adiada sem data.

'O adiamento não tem nada a ver com o calendário político', afirmou o ministro. Ele explicou que o adiamento se deu a pedido dos bolivianos, que queriam mais tempo para analisar a proposta apresentada pela Petrobrás.

Rondeau não afirmou, mas deu a entender que o Brasil tem um trunfo para as negociações: a possibilidade de novos investimentos da Petrobrás naquele país. A Bolívia precisa ampliar sua capacidade de produção de gás para atender aos contratos que assinou.

O ministro afirmou que os problemas com abastecimento do gás estão longe de colocar o Brasil sob risco de crise elétrica, pois os problemas de abastecimento desse combustível fizeram com que as usinas térmicas deixassem de fornecer apenas 1,2% da energia gerada no País.

Disse também que, apesar da queda do preço do petróleo no mercado internacional, ainda é cedo para pensar em baixar o preço da gasolina.

Isso porque a Petrobrás não aumentou a gasolina durante os meses em que o preço do petróleo disparou. Agora, está ocorrendo uma espécie de compensação. Os principais trechos da entrevista:

A reunião com a Bolívia foi cancelada por causa do segundo turno?

Deixa eu desmentir esse boato. O adiamento não tem nada a ver com o calendário político. Eles (as autoridades bolivianas), ao receberem a contraproposta da Petrobrás, acharam que precisavam de um tempo mais. Foi somente isso e nada mais do que isso o que aconteceu.

Então ainda vai ter reunião antes do segundo turno?

O único dia que eu tenho certeza que eu não vou é o dia 29. Mas qualquer dia desses, dia 27, dia 16... isso resolvido, nós estamos indo lá.

Não pode ser depois do dia 29, por causa do prazo do decreto supremo.

Pode ser depois, sim. Tudo é possível. E se eles prorrogarem o prazo? A questão é que nós não estamos contando com prorrogação. Nós, inclusive, gostaríamos de já estar com isso resolvido. E com certeza só vamos consolidar uma posição depois de ficar acertado o que interessa às duas partes. Mas se tiver prorrogação, certamente esse prazo será aproveitado.

A escalada da violência na Bolívia, como os conflitos entre mineiros e funcionários de uma mineradora que resultaram em mortes, interferiram no clima das negociações do Brasil com o governo boliviano?

No nível técnico em que estamos trabalhando não houve nenhum efeito. Tenho conversado regularmente com o meu colega, Carlos Villegas, e as conversas têm sido extremamente profissionais e pró-ativas. Temos avançado de forma bastante positiva.

Então, melhorou o relacionamento com as autoridades bolivianas? O antecessor de Villegas, Andrés Solíz Rada, tinha uma atitude agressiva em relação ao Brasil.

Eu diria que essa fase das negociação está animadora. Os bolivianos precisam de investimentos para ampliar sua capacidade de produção e assim cumprir seus contratos de venda de gás. Há alguma discussão no momento quanto a isso? Enquanto não estiver muito claro como a Petrobrás estará no contexto de operação e produção, como ficará a posição dela nas refinarias, não podemos falar em novos investimentos na Bolívia. A YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia, a estatal petrolífera) têm potencial para ser um parceiro preferencial da Petrobrás. Desde que restabelecidos os critérios de segurança, a Petrobrás dirá se investe ou não. A palavra-chave é segurança.

Algumas usinas térmicas já estão tendo problemas com falta de fornecimento de gás boliviano. Isso não coloca todo o sistema em risco?

Perto da fronteira do Brasil com Bolívia tem uma estação compressora, chamada Rio Grande. Essa estação não é da Petrobrás, mas da Andina, empresa que tem participação da YPFB e da Repsol. São quatro turbinas compressoras, cada uma com capacidade de 11 milhões. Dessas, quebrou uma e depois outra. Por isso, embora a demanda seja de 30 milhões de metros cúbicos, só estamos puxando 22 milhões de metros cúbicos. A capacidade instalada de energia elétrica, disponível no Brasil, é de 100 mil megawatts (MW), para uma demanda média de 50 mil MW. O que significa, dentro disso, uma frustração de 1.200 MW que as térmicas deixaram de gerar? E com relação à energia hidrelétrica?

Em termos de hidrologia, é um dos melhores períodos que tivemos. Já com relação ao mercado, o cenário de referência para 2006 era um crescimento de 5,2% no consumo de energia. Cresceu 4%. Portanto, do ponto de vista de mercado, das chuvas e da participação do gás estamos sem motivo de pânico, que é o que está se plantando. Estamos absolutamente sob controle.

Uma crítica que se faz é de que a energia está tomando um caminho de reduzir o peso das hidrelétricas, e aumentar o das termelétricas, mais caras. Essa proporção está começando a mudar?

Sim. A energia térmica tende a ter uma presença cada vez mais significativa, o que é absolutamente natural. Hoje 10% do total da energia é gerado por térmicas e 90% por hidrelétricas. Em momentos mais secos, o limite das térmicas chega a 18%, incluindo a energia nuclear. O Brasil é predominantemente hidráulico, continuará sendo nos próximos 10 anos, mas poderá não ser daqui a 50, porque vamos aproveitar todos os principais potenciais. A partir daí o crescimento se dará por uma outra fonte, provavelmente térmica.

Há necessidade de novos projetos de hidrelétrica e as licenças ambientais demoram a sair. Isso não é sinal que há um problema de marco regulatório?

A questão ambiental é séria, mas não é culpa da Marina (Silva, ministra do Meio Ambiente), ou falta de esforço da EPE (Empresa de Pesquisa Energética, responsável pelo planejamento de novas hidrelétricas). Realmente são restrições de natureza legal e já temos maturidade para trabalhar em cima disso e melhorar. Nenhuma sociedade trabalha com marcos regulatórios estáticos.

Circularam rumores que o presidente Lula estaria preocupado com a demora na definição de grandes hidrelétricas, como Madeira e Belo Monte, pois esse atraso colocaria o País sob risco de apagão se a economia crescer como o esperado, na faixa de 5%.

Essa preocupação do presidente é culpa minha. Não é que ele esteja com medo de haver apagão, porque eu disse a ele que apagão não tem. Mas minha obrigação é alertar a ele que temos de cuidar das questões ambientais para que esse risco não venha a ocorrer.

É verdade que há um plano de contingenciamento para o gás?

Sim, ele está praticamente pronto. Ninguém pergunta sobre isso, mas há um plano de contingenciamento de energia elétrica. Um dia, deu uma ventania e caíram três das quatro torres de Itaipu. Ninguém sentiu. Nem piscou. Porque, ao cair a linha, já se sabe o que fazer. Plano de contingência é isso: ao pior sinistro, o consumidor não sente nada. No gás, não tínhamos um plano de contingência. E se, de fato, tivesse interrompido o gás da Bolívia, como é que iríamos sobreviver minimizando os impactos para o consumidor final, o taxista, a dona de casa? O plano de contingência diz o que é prioridade nesse caso. Se tiver um acidente, ninguém vai bater cabeça, fazer reunião de emergência. Já sabemos exatamente o que tem de ser feito dentro do plano operacional. Não quer dizer que estejamos trabalhando com uma couraça contra a Bolívia.

E a energia nuclear?

É uma realidade contemplada no nosso planejamento estratégico. Temos duas preocupações básicas com energia nuclear. Uma é a geração elétrica propriamente dita e outra é o domínio da tecnologia. O Brasil é a sexta maior reserva de urânio conhecida. Como temos matéria-prima, conhecimento e tecnologia, não podemos perder o bonde da história. Não podemos abdicar, apenas por uma questão de preconceito, à discussão da questão nuclear.

Com os preços internacionais do petróleo em queda, não está na hora de cortar o preço da gasolina? A política de preço da gasolina leva em consideração a volatilidade (do petróleo) e a patamarização (estabilização) de preços. Por conta disso, no momento, não tem nenhum sinal que deva baixar. Se a tendência do barril de petróleo for cair, é claro que a gasolina vai cair, porque o patamar de preço vai baixar. Mas está cedo ainda.