Título: Líbano faz as contas do prejuízo
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/07/2006, Internacional, p. A20

A atual crise no Líbano é a pior da região desde que Israel invadiu o país pela última vez, em 1982. Os prejuízos causados por ataques israelenses à infra-estrutura libanesa até agora já ultrapassaram os US$ 2 bilhões, o que é muito dinheiro na maior parte dos países, mas que para este representa 10% do PIB (o total das riquezas produzidas em um ano). Na média, o Líbano tem perdido 1 ponto percentual do seu PIB a cada 24 horas. O início das hostilidades não tem nem duas semanas ainda e pontes, portos, estradas e prédios já estão destruídos.

O turismo, um dos principais motores da economia, foi fortemente prejudicado. Dono de uma ótima fama entre os árabes, o Líbano é realmente um país belíssimo, com um mar azul escuro de um lado e as montanhas bem perto da costa de outro. Além disso, os libaneses têm a reputação de serem gente com a cabeça aberta, cosmopolitas, algo pouco comum entre os vizinhos muçulmanos. Em tempos de paz, a balada em Beirute é animada, com jovens em bares e festas até bem tarde da noite. É por tudo isso que milhares de sauditas, kuwaitianos, gente rica de países produtores de petróleo e também europeus costumam passar as férias aqui. Este ano, as autoridades libanesas esperavam receber 1,5 milhão deles.

Os que estavam quando o Hezbollah invadiu Israel, matou três soldados e seqüestrou outros dois foram embora. Quem tinha reserva cancelou. E quem ainda planejava a viagem deve ter dado graças a Deus que era apenas uma idéia. Os hotéis de luxo de Beirute só não estão totalmente vazios porque jornalistas do mundo inteiro chegaram e há também funcionários de empresas de segurança. Em alguns deles os preços das diárias até baixaram. Ontem, no começo da tarde, horário local, a área central da cidade, totalmente reconstruída depois do final da guerra civil, estava vazia.

O normal nesta época de férias de verão seria ver uma multidão de turistas nos cafés, restaurantes e lojas de artigos de luxo. Até mesmo as empresas não ligadas ao setor do turismo fecharam as portas. No Petit Cafe, havia apenas funcionários sentados em mesas. O restaurante abriu ontem pela primeira vez desde o dia 13 e atendeu apenas seis clientes. Em um dia normal, teria servido mais de 1.500. Companhias estrangeiras com filiais no Líbano estão transferindo seus funcionários para outros países. A Procter & Gamble, por exemplo, está deslocando parte dos empregados, junto com o marido ou a esposa, para o Egito. A empresa pretende tocar os negócios de lá.

TRATAMENTO PSICOLÓGICO

No centro da região reconstruída de Beirute, onde há um relógio, havia ontem apenas um grupo de quatro mulheres e um homem sentado no restaurante Place de L'Étoile. Eram membros da Associação Libanesa para o Desenvolvimento Infantil, uma organização não-governamental voltada para crianças de 0 a 8 anos. O maior drama do país hoje é justamente a questão humanitária. De acordo com os últimos dados, até agora já morreram 340 civis e 1.100 foram feridos. Estimativas sobre o número de refugiados variam de acordo com a fonte. A Organização das Nações Unidas trabalha com 500 mil pessoas que abandonaram suas casas e estão no Líbano e 150 mil que foram para a Síria.

O foco da ONG que fez reunião ontem no restaurante Place de L'Étoile é o tratamento psicológico de crianças. ¿As pessoas tendem a não dar importância a essa questão, mas ela é fundamental¿, disse Ali Zein, presidente da associação, que não arrisca uma estimativa sobre o número de crianças em abrigos atualmente.

Em maior ou menor medida, as crianças passaram por pelo menos uma experiência traumática: bombardeios, o abandono das casas, pessoas mortas no caminho ou até mesmo parentes mortos. Quando saem das regiões mais críticas, chegam a abrigos que fornecem água, comida e cama. ¿A partir de segunda-feira, queremos que comecem a ter também tratamento psicológico¿, promete Zein.

A parte mais difícil do trabalho é a organização. A associação conta com uma lista de cem psicólogos, psiquiatras, orientadores pedagógicos e universitários que estão em casa sem fazer nada, mas dispostos a ajudar.

O problema é montar os programas, acertar com as autoridades e fazer com que os profissionais consigam chegar aos abrigos. Os programas são divididos em três partes: ajuda psicológica, educação e brincadeiras. ¿Este ano, Israel inovou ao cortar todas as ligações do Líbano com o exterior por terra, mar e ar. Essa pressão tem como meta atingir o governo libanês para que combata a influência do Hezbollah. Um dos efeitos colaterais disso é o aumento do sofrimento psíquico entre os civis. Estamos sendo atacados e não temos para onde correr¿, diz o doutor Zein.