Título: A fome ainda ronda Guaribas
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/04/2006, Nacional, p. A8

Guaribas, no interior do Piauí, ficou famosa em 2003 por receber o presidente Lula e cinco ministros para o retumbante lançamento nacional do programa Fome Zero. Quase 1.200 dias depois, a imensa maioria dos habitantes continua vivendo dos cartões do Bolsa Família. Hoje a cidade tem água encanada e algumas escolas a mais; mas emprego, que é bom, nada. Há mais de três anos, o então ministro do Combate à Fome, José Graziano, previu: "Quero voltar aqui em quatro anos e dizer que vocês não precisam mais do cartão, porque acabou a fome." É provável que o ex-ministro não volte lá nunca, porque em Guaribas só se come com o cartão. "Se os cartões acabassem amanhã, a cidade toda ia morrer de fome", disse ao Estado, em fevereiro último, o prefeito Ercílio de Andrade (PMDB). Alguns raros agricultores conseguem produzir um adicional para vender, o que não aconteceu em 2006, por causa da seca que impediu o plantio. Para comer, três anos depois, Carmelita da Rocha, 64 anos, ainda depende do seu cartão do Bolsa Família. "Tinha era que ter emprego", contou Ana Luzia Dias, 26 anos, uma viúva que tem quatro filhos e vive com a o dinheirinho mensal do Bolsa Família. O maior empregador da cidade é a prefeitura. São 130 funcionários, contando os professores, cujos salários consomem 65% da magra receita municipal. Sem arrecadação própria, Guaribas recebe mensalmente cerca de R$ 200 mil - tudo dinheiro federal e estadual. Em qualquer dia da semana, no meio da tarde, homens e mulheres se juntam à frente das casas, sem ter o que fazer. A prefeitura criou casas de farinha, montou uma experiência com apicultura, fez hortas nas escolas. Mas a cidade enfrenta dois dilemas: a seca e a absoluta falta de qualificação das pessoas. Três anos depois do Fome Zero, Guaribas só come quando usa o cartão do Bolsa Família.