Título: Assim o astronauta brasileiro voltará à Terra
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2006, Vida&, p. A34

Viagem de volta levará três horas e meia, começando com a separação da Estação Espacial Internacional às 17h25; pouso no Casaquistão deverá ocorrer às 20h56

Oito anos de treinamento, oito dias na Estação Espacial Internacional (ISS), oito experimentos científicos e muitos milhões de dólares depois, a saga espacial do primeiro astronauta brasileiro chega hoje ao seu capítulo final. Exatamente às 20h56 (horário de Brasília), uma cápsula russa Soyuz deverá cair de pára-quedas no deserto do Casaquistão, trazendo de volta à Terra o tenente coronel Marcos Pontes e outros dois viajantes espaciais.

Os acompanhantes não serão os mesmos da ida. Ao lado de Pontes estarão o russo Valery Tokarev e o americano William McArthur, que por seis meses compuseram a tripulação da ISS. Eles serão substituídos pelos colegas Pavel Vinogradov e Jeffrey Williams, que subiram ao espaço com o brasileiro e permanecerão em órbita por mais seis meses.

Até ontem, a missão transcorria de maneira perfeita, sem qualquer incidente. Entrar e sair da atmosfera terrestre, porém, é sempre uma atividade perigosa. Ao contrário da viagem de ida, em que os astronautas permaneceram mais de dois dias imóveis dentro da Soyuz até que ela pudesse se acoplar à ISS, a viagem de volta levará apenas três horas e meia, começando com a separação da estação espacial às 17h25.

A cápsula de reentrada cruzará a atmosfera a mais de 20 mil quilômetros por hora, aquecendo o ar ao redor da nave a mais de 1.100°C. Os astronautas no interior serão protegidos por um escudo térmico de materiais sintéticos, projetado para absorver e dispersar o calor. "Ele vai sendo consumido ao longo do trajeto, como se fosse uma pastilha de freio", explica o tecnologista Petrônio Noronha de Souza, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O pouso no deserto, nos arredores da cidade de Arkalyk, será amortecido por um gigantesco pára-quedas. A queda será monitorada por uma equipe russa de resgate, que fará a recuperação dos astronautas. Normalmente, os tripulantes precisam ser retirados em cadeiras de rodas, por causa da fraqueza. McArthur e Tokarev deverão estar especialmente debilitados, depois de seis meses sem sentir o peso da gravidade. Já Pontes, que está há dez dias flutuando (dois na Soyuz e oito na ISS), poderá estar em melhores condições.

Os três serão levados imediatamente de helicóptero para um acampamento, onde passarão por uma avaliação médica, e, em seguida, para a cidade de Kustanay, onde participarão de uma cerimônia de encerramento da missão. De lá, pegarão um vôo para a Cidade das Estrelas, nos arredores de Moscou, onde permanecerão em recuperação por uma ou duas semanas.

Os oito experimentos científicos levados por Pontes à ISS deveriam ser transferidos para a Soyuz hoje pela manhã. Os projetos serão retornados às instituições de origem no Brasil, para que seus resultados sejam analisados. "Não só eu como todos à bordo da ISS ficamos surpresos com a qualidade dos experimentos brasileiros", afirmou Pontes, segundo a Agência Espacial Brasileira.

CRÍTICAS

A viagem na Soyuz custou ao Brasil US$ 10 milhões, sem contar o custo dos oito anos de treinamento do astronauta pela Nasa. A missão foi criticada por algumas lideranças científicas, que acreditam que o dinheiro seria melhor gasto com pesquisas e educação em terra.

Ontem, em sua última entrevista coletiva da ISS, Pontes disse que, após a volta, espera trabalhar com aqueles que criticam o valor da missão. "Críticas são construtivas e saudáveis", disse. "Mas o Brasil é um só. Não deve haver divisões."

Sobre um possível uso político de sua missão, disse que não cabe a ele fazer esse julgamento. "Minha preocupação agora é com a reentrada na atmosfera, se vamos estar com o ângulo certo", afirmou. "Eu penso no que tem de se fazer na prática, não sou político."