Título: 40% da Amazônia acaba até 2050
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2006, Vida&, p. A19

Estimativa é de estudo publicado hoje na 'Nature'; parte do processo poderia ser detido apenas com aplicação da lei

Um trabalho apresentado hoje por pesquisadores brasileiros e americanos elimina um tanto de dúvidas sobre o papel do governo na preservação da Amazônia. Segundo eles, pode sobrar apenas 53% da floresta em 2050 se nenhuma ação for feita e o movimento de devastação continuar do jeito que é hoje. Em compensação, políticas públicas efetivas e responsáveis elevariam para 73% o índice de floresta em pé.

Essas são duas realidades, a mais pessimista e a mais otimista, de oito modelos gerados pelo grupo. A descrição é feita na revista científica britânica Nature (www.nature.com).

O modelo pessimista considera que nada mudará nos próximos anos: as taxas de desmatamento continuarão altas, estradas serão abertas e pavimentadas, o cumprimento da legislação ambiental continuará fraco e nenhuma unidade de conservação será criada.

Seguindo essa lógica, 85% de florestas fora das áreas protegidas serão derrubadas, e mesmo dentro delas 40% da vegetação cairá. Oito das doze bacias hidrográficas da região perderão metade de sua cobertura vegetal, com impacto no fornecimento de água que pode levar, num último momento, à troca de floresta por pasto.

O corte das árvores vai liberar uma quantidade de carbono na atmosfera equivalente a quatro anos de emissão em todo o mundo, piorando o efeito estufa. Hoje, o Brasil já é o quarto ou quinto campeão de emissões justamente por causa do desmatamento e da mudança do solo.

Por outro lado, se houver um cenário pautado por legislação forte, expansão das áreas protegidas, controle do desmatamento e acerto da situação fundiária, isso segurará a destruição da floresta. As unidades de conservação manteriam 100% de suas árvores em pé, e, do lado de fora, a derrubada seria de 50%. A emissão de carbono também seria controlada.

"Pela primeira vez temos um modelo sofisticado para avaliar a política pública na Amazônia", diz Daniel Nepstad, do Centro de Pesquisa de Woods Hole e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), co-autor da pesquisa.

Estudos anteriores demonstraram o impacto da economia, especialmente o da agropecuária, na derrubada ou na conservação da floresta. O fortalecimento do setor passa pelo apoio dos governos estaduais e federal, como na concessão de linhas de crédito e na formação de infra-estrutura, como estradas e hidrovias. Já a falta de acerto da situação fundiária na Amazônia fortalece a grilagem, enquanto uma fiscalização míope favorece o corte ilegal.

Por outro lado, unidades de conservação e terras indígenas têm ajudado a conter o desmatamento em algumas regiões, apesar de sofrerem muita pressão quando tudo ao redor já caiu. É o que acontece em Rondônia, Estado que tem um mosaico de parques e reservas dentro de um zoneamento econômico-ambiental. Lá, o que está fora da área de proteção já foi mexido.

"Uma estratégia de conservação deve levar em conta não só a formação de áreas protegidas", diz Britaldo Silveira Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, co-autor do trabalho. As propriedades privadas devem ser incluídas nas políticas de conservação da Amazônia, dizem os pesquisadores. Nepstad acredita que o setor agropecuário buscará seguir as políticas ambientais corretas para satisfazer um mercado internacional exigente.

Um caminho alternativo que ambos defendem é o uso do "desmatamento evitado" para contar créditos de carbono, o que valorizaria a floresta em pé. A tese, no entanto, sofre oposição do Itamaraty e do Ministério de Ciência e Tecnologia, que não pretendem encampar a idéia por enquanto.