Título: "O Ocidente prefere ameaçar"
Autor: Eduardo Salgado
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2006, Internacional, p. A12

Hans Blix: ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Para diplomata sueco, a melhor saída para resolver o impasse com o Irã é evitar o Conselho de Segurança e negociar Hans Blix: ex-diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)

Hans Blix se tornou mundialmente conhecido antes da invasão do Iraque, quando era o chefe da Comissão de Inspeção, Verificação e Monitoramento da ONU, órgão que tinha como missão encontrar as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Antes disso, entre 1981 e 1997, Blix foi diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a mesma que agora examina o caso iraniano. Assim como todos os membros da AIEA, o Irã tem o direito de enriquecer urânio para fins pacíficos. O que levantou suspeitas foi a descoberta, em 2003, que o país mantinha havia 18 anos um programa secreto. Mesmo assegurando que queria apenas gerar energia, o Irã aceitou congelar o enriquecimento em 2004, ano em que começaram as negociações entre representantes do país e de Alemanha, Grã-Bretanha e França. A crise chegou a um novo pico de tensão no mês passado, quando o Irã, já sob a liderança do presidente Mahmud Ahmadinejad, reiniciou as pesquisas para enriquecer urânio. Agora os membros da AIEA examinam se levam a questão para o Conselho de Segurança (CS), o órgão deliberativo da ONU. Blix falou ao Estado pelo telefone de sua casa na Suécia.

O Ocidente exagera na reação ao programa nuclear do Irã?

Não acho que os países ocidentais estejam reagindo muito bem. O Ocidente gostaria de induzir o Irã a não fazer o enriquecimento industrial de urânio, e considero que essa é uma atitude sábia. Se o Irã desejasse ter uma arma, o domínio dessa tecnologia reduziria em alguns anos o tempo necessário para o seu desenvolvimento. Isso faria crescer a tensão numa região que já é bastante tensa. Dito isso, creio que alguns dos argumentos do Ocidente não são muito convincentes. Não vejo porque eles precisem levar necessariamente as discussões ao CS da ONU, algo que parecem determinados a fazer. Os europeus e americanos conversaram com a Coréia do Norte fora do CS, embora os norte-coreanos já disponham de armas nucleares. O Ocidente prefere manter ameaças pairando contra o Irã, quando no caso da Coréia do Norte oferece incentivos. Aos norte-coreanos foi prometido o estabelecimento de relações diplomáticas com os EUA e com o Japão, e compromissos de não-agressão - ao passo que tudo o que o Irã ouve é que todas as opções estão sobre a mesa, em Washington.

Mas Grã-Bretanha, Alemanha e França tentaram uma negociação com o Irã e chegaram a oferecer incentivos...

Ofereceram alguns incentivos em termos de investimentos, de cooperação em energia nuclear para fins pacíficos e ouvimos falar também que os EUA, entre outras coisas, apoiariam a entrada do Irã na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o grupo de trabalho sobre segurança que haviam acordado nunca se reuniu. Então, é preciso admitir que promessas não foram cumpridas. No campo iraniano, há argumentos que também não julgo muito convincentes. Eles dizem ter direito a enriquecer o urânio. A questão não é essa. Não precisamos exercer tudo a que temos direito neste mundo. Eles têm dois reatores. A Suécia tem dez, mas não realiza qualquer enriquecimento de urânio. Os suecos consideram ser mais econômico importar urânio enriquecido. Ora, o Irã poderia argumentar que precisa ser auto-suficiente. Vocês podem compreender isso no Brasil. Poderiam dizer que estão sujeitos ao isolamento por parte dos EUA, que não confiam na promessa de que receberão o combustível do exterior. E, por isso, precisam ter produção própria. Mas eles têm depósitos relativamente pequenos de urânio - e como argumento de longo prazo não me parece muito convincente.

O sr. não acha que deveríamos nos preocupar quando um país governado por um homem que quer varrer Israel do mapa parece buscar a produção da bomba atômica?

Sim, me preocupo. É preciso induzir o Irã a cessar esse esforço. Mas estou questionando os métodos, as abordagens, que os europeus estão utilizando. Considero que elas têm sido inadequadas.

O que, então, deveria ser feito para solucionar essa crise?

Deveriam aprofundar as discussões, inclusive sobre garantias de segurança. A primeira coisa a ser colocada é a questão da garantia do suprimento de urânio. Os iranianos alegam que o restante do mundo constitui um cartel. Isso não é verdade, quando se tem a Rússia e a China, ambos países que podem fornecer urânio enriquecido ao Irã. Os iranianos têm argumentos frágeis, e creio que deveríamos nos engajar em negociações amplas. Se o assunto for ao CS, não acho que a situação se modifique muito. Não acredito que no CS os EUA venham a propor sanções militares. Ninguém acredita nisso. E se os americanos exigirem sanções econômicas, o que pedirão em troca? Já se admitiu que o Irã tem direito de enriquecer o urânio. E os iranianos estão dizendo que o estão fazendo apenas para fins pacíficos. Assim, por que deveriam ser punidos?

É possível argumentar que os iranianos estão mentindo. Já mentiram no passado....

Bem, pode ser. Eles mantiveram o programa secreto durante quase 20 anos. Mas isso significa que pretendem produzir armas nucleares? Bem, é possível, mas não se trata de uma conclusão absolutamente inescapável. E eles poderiam responder: "se revelássemos onde as instalações nucleares estavam, teríamos a presença de forças americanas anti-proliferação". Pode ser também que eles tenham desejado ocultar suas intenções. Eu não excluo isso. Mas não tiro daí imediatamente a conclusão de que o objetivo é a fabricação de armas nucleares. O pior, na minha opinião, é que os iranianos estavam tentando construir um reator de água pesada de 40 MW. Esse seria um excelente produtor de plutônio. Assim, com base em evidências circunstanciais, seria possível dizer que eles estão tentando produzir material nuclear segundo duas abordagens paralelas - urânio enriquecido e plutônio enriquecido. Trata-se de evidência circunstancial, e não de provas concretas.

Ou seja, o Ocidente está reagindo de forma desproporcional?

O caso está sendo levado ao CS pelos EUA, que são os que desejam isso o tempo todo. Os países ocidentais acabaram se colocando numa sinuca. Eles falaram com muita freqüência em levar o caso ao CS, em tom de ameaça, e depois que isso não funcionou, eles terão de ir ao CS para não parecerem que estavam blefando. Por outro lado, os iranianos também se encurralaram, ao dizerem que têm o direito de enriquecer urânio.

A solução estaria em oferecer uma saída diplomática ao Irã?

Creio que isso deveria ser tentado. Quando os iranianos olham o mundo, o que vêem são 130 mil soldados americanos no vizinho Iraque, vêem inúmeras bases dos EUA no Paquistão e no Afeganistão, e a crescente cooperação americana na antiga União Soviética. Ouvem o presidente dos EUA dizer que todas as opções estão sobre a mesa. Nãodevemos nos surpreender com a reação deles, que querem manter o regime intacto.

Niell Ferguson, o historiador britânico, compara o Irã atual com a Alemanha dos anos 30. O sr. não vê semelhanças?

Bem (risos), não... eu acho que as situações são bastante distintas. Existe um presidente agressivo que apela diretamente às massas e pode estar atiçando um sentimento nacionalista... provocando medo no Ocidente, muito desemprego, é verdade. Mas há grandes diferenças. Basta ver a história do Irã, que nunca foi expansionista. E quanto à confiança dos iranianos na democracia ocidental, eles sabem que foi a CIA que derrubou Mohamed Mossadeq (primeiro-ministro iraniano na década de 50) no único governo democrático que tiveram. E os EUA trouxeram de volta o xá Reza Pahlevi, que produziu a reação dos mulás. Creio que há diferenças muito grandes entre a Alemanha de 30 e o Irã atual.