Título: Agenda de Bush para segundo mandato será difícil de cumprir
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2005, Internacional, p. A15

O presidente George W. Bush inicia hoje seu segundo mandato numa posição francamente mais favorável do que a de quatro anos atrás, quando tomou posse sob uma espessa nuvem criada pelas dúvidas quanto à legitimidade de sua eleição e depois de ter perdido a votação popular para seu concorrente e ver as bancadas de seu Partido Republicano encolher nas duas casas do Congresso. Um político que sempre se beneficiou do fato de ser subestimado pelos adversários, Bush surpreendeu-os nos primeiros meses de 2001 aprovando o maior corte de impostos da história do país e uma reforma nos programas de educação primária que acabou contando com o apoio do senador democrata Edward Kennedy, de Massachusetts, umas das vozes mais liberais do Congresso americano.

Meses mais tarde, sua resposta aos ataques terroristas de 11 de Setembro firmaram sua imagem de líder resoluto numa nação atordoada que acabou se tornando o elemento crucial da derrota que impôs a seu desafiante democrata John Kerry, em novembro, a despeito das reservas da maioria dos americanos sobre o rumo que o país tomou, especialmente depois da invasão do Iraque, em março de 2003.

AGENDA AMBICIOSA

A situação mais confortável com que inicia um novo quadriênio - legitimado por uma clara vitória nas urnas e com maiorias conservadoras ampliadas na Câmara de Representantes e no Senado - poderá revelar-se insuficientes, porém, para Bush levar adiante a ambiciosa agenda internacional e doméstica que anunciou para seu segundo governo.

"Mesmo em melhores condições, será muito difícil", disse ao Estado Norman Ornstein, analista político do American Enterprise Institute, em Washington. "Reformar a previdência social é bem mais difícil do que cortar impostos", disse ele.

Numa amostra dos problemas que o presidente americano terá para mexer com o maior, mais antigo e mais bem-sucedido programa social da história do país, vários parlamentares conservadores já se manifestaram contrários a seu plano de privatização parcial da seguridade social, permitindo que jovens trabalhadores invistam em contas de poupança privada até 40% do que hoje contribuem para o sistema federal.

PROPOSTA CONDENADA

Ontem, a primeira página do Washington Post trouxe declaração de ninguém menos que o influente presidente da Comissão de Dotações da Câmara, Bill Thomas, republicano da Califórnia, afirmando que a proposta de Bush "está condenada".

"Tendo levado adiante uma agenda conservadora quando não tinha mandato, Bush corre agora o risco de querer executar uma agenda demasiadamente ambiciosa", disse Thomas Mann, cientista político da Fundação Brookings.

"Uma reforma tributária seria potencialmente factível se você tivesse um plano, o tivesse discutido durante a campanha eleitoral e pudesse agir rapidamente, mas Bush não fez nada disso", acrescentou Ornstein, referindo-se a outro objetivo do presidente, que há duas semanas sinalizou a perda de urgência da questão nomeando uma comissão nacional para estudar uma simplificação da estrutura tributária e da declaração de imposto de renda.

Obstáculos não faltam, tampouco, no caminho da reforma das leis de imigração que Bush pretende apresentar. Num reconhecimento desses e de outros obstáculo, o presidente americano indicou numa entrevista, na semana passada, que não tem planos para apresentar emenda constitucional proibindo o casamento entre homossexuais.

Trata-se de causa predileta da direita religiosa que ajudou a renovar o mandato de Bush, mas que, com toda probabilidade, envenenaria o diálogo com a oposição e mesmo com setores moderados do Partido Republicano, que impediram a aprovação da medida, no ano passado.

Segundo analistas, por razões parecidas, não interessa a Bush, tampouco, iniciar o novo mandato tendo de preencher vagas na Suprema Corte.

BATALHAS POLÍTICAS

A possibilidade única que ele tem de nomear três e talvez até quatro juízes nos próximos quatro anos e construir, assim, uma sólida maioria conservadora no tribunal máximo do país, que projetaria sua influência por mais de uma geração, prometem transformar as sabatinas de confirmação dos futuros escolhidos nas mais renhidas batalhas políticas de seu segundo governo.

Sob tais circunstâncias, a necessidade de controlar a execução da agenda política na Casa Branca tornou-se imperativa e explica a composição do gabinete do segundo governo.

Em contraste com o primeiro, cargos-chave como os de secretário da Justiça, de Estado, da Segurança Interna, e da Educação, na área social, foram confiados a pessoas próximas do presidente e que não têm vôo próprio.

POLÍTICA EXTERNA

Uma tese corrente em Washington é que, a despeito da nomeação de internacionalistas competentes para a liderança do Departamento de Estado, como Robert Zoellick, escolhido para o posto de vice-secretário, sob Condoleezza Rice, a política externa americana será formulada na Casa Branca, por Bush e pelo vice-presidente Dick Cheney.

Um complicador considerável para o presidente americano levar adiante seu programa de governo não está, contudo, sob seu controle: depende do que acontecerá nos próximos meses no Iraque, onde os Estados Unidos travam uma guerra impopular entre os americanos, sem uma estratégia de saída e nenhum desfecho positivo no horizonte.

"É bastante possível que a agenda doméstica seja completamente posta de lado pelos problemas no Iraque e em outras partes do mundo", disse Ornstein.

"Se o Iraque dominar a agenda e, em conseqüência, sua posição sofrer erosão, ficará muito difícil para Bush ganhar o apoio da opinião pública para levar adiante, no Congresso, a reforma da previdência social ou do sistema tributário."

Com esse mesmo cálculo em mente, o economista Albert Fishlow, da Universidade de Columbia, prevê que "os Estados Unidos sairão do Iraque" numa estratégia de contenção de danos, como ocorreu três décadas atrás, no Vietnã.

Problemas podem vir não apenas do Iraque ou de um eventual novo ataque terrorista, mas, com igual ferocidade, da frente econômica.

VULNERABILIDADES

As vulnerabilidades cada vez mais visíveis que os Estados Unidos enfrentam no cenário internacional, em grande parte em decorrência da irresponsabilidade fiscal que a administração exibiu nos últimos quatro anos, foi salientada pelo senador Paul Sarbannes, democrata de Maryland, durante a sabatina de confirmação de Condoleezza Rice.

A futura secretária de Estado disse que não estava preparada para se pronunciar a respeito. Para Ornstein, não se deve esperar muito do Tesouro. "A equipe econômica que Bush manteve é fraca", disse.