Título: Amorim nega esvaziamento de cúpula
Autor: Lu Aiko Otta
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2004, Economia, p. B11

A 27.ª Reunião de Cúpula do Mercosul corre o risco de ser esvaziada pela ausência ou atraso de autoridades argentinas. Ontem, o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, foi o principal ausente de um encontro no qual estavam seus pares de Brasil, Paraguai e Uruguai. Ele só deverá chegar hoje. Circularam informações extra-oficiais que o ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, só chegará na noite de quinta-feira (quando a reunião de ministros de Fazenda e presidentes de Banco Central já tiver terminado). Além disso, também extra-oficialmente, informou-se que o presidente do BC argentino, Martín Redrado, não virá ao Brasil. "Certamente, não há esvaziamento da reunião", afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Ele considerou normal a ausência de seu colega Bielsa, lembrando que muitas vezes ele próprio se fez representar em reuniões de chanceleres. "A delegação argentina estava muito bem representada, de modo que não vejo esvaziamento." Segundo ele, os representantes da Argentina tiveram uma participação ativa e construtiva na reunião. "São problemas que quem acompanha política externa de maneira desapaixonada e imparcial sabe que acontecem." Ontem o Estado publicou a informação que o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, havia dito que viria ao Brasil fazendo "cara de perro" (cara de cachorro, em espanhol, uma expressão que significa manter-se irredutível). Questionado se estava ciente da ameaça e se tinha medo de cachorro, Amorim rebateu: "É uma pergunta tão indelicada que não vou responder."

O ministro procurou não comentar a troca de ameaças entre integrantes dos governos brasileiro e argentino quanto à adoção de medidas protecionistas de lado a lado. "Vocês estão falando de retaliações que não tenho conhecimento", disse. Segundo ele, as ameaças de salvaguardas do Brasil contra a Argentina não vão se concretizar. "Nós precisamos tratar dos problemas que existem na relação Brasil-Argentina de uma maneira inteligente, que permita continuar avançando no processo de integração, reconhecendo que há assimetrias e neste momento elas estão favorecendo mais o Brasil. Mas poderá haver momentos em que elas favoreçam a Argentina."

Ao comentar a proposta argentina de adoção de salvaguardas, Amorim comentou que "diplomata que diz `não¿, não é diplomata", mas defendeu alternativas para lidar com o problema, reconhecido pelo Brasil, que existe uma diferença entre níveis de industrialização dos dois países. "Não nos interessa uma política de terra arrasada", afirmou. O caminho que vem sendo trabalhado pelo governo brasileiro é o de políticas industriais complementares e acordos que beneficiem os dois lados, como já foi encontrado em setores como o químico e o siderúrgico.

Embora os diplomatas venham se esforçando para manter as discussões entre Brasil e Argentina fora da cúpula do Mercosul, Amorim não descartou a possibilidade de os presidentes Lula e Kirchner discutirem o tema. "Eles vão jantar juntos, vão viajar juntos de ônibus", observou. No entanto, não está prevista uma reunião específica para isso.

ALCA

As negociações em torno da formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) deverão ser retomadas no início do ano que vem, disse ontem o chefe da Divisão da Alca no Itamaraty, Tovar Nunes. Ele informou que o representante de Comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, enviou carta ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, logo após as eleições americanas, manifestando interesse em retomar o diálogo. Segundo Nunes, o processo eleitoral nos EUA foi o principal fator para a interrupção das negociações, a partir de meados deste ano.