Título: 2 americanos e 1 alemão levam Nobel de Física por estudo da luz
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/10/2005, Vida&, p. A18

Dois americanos e um alemão ganharam o Prêmio Nobel de Física de 2005 pelos avanços que proporcionaram no campo da óptica quântica. A área é aplicada desde o entendimento do laser e a formação de relógios atômicos, utilizados hoje em dia, até tecnologias que ainda não existem, mas podem surgir em breve, como holografias em três dimensões. O anúncio foi feito ontem de manhã em Estocolmo, na Suécia. Roy Glauber, de 80 anos, da Universidade Harvard, nos EUA, recebe metade do US$ 1,3 milhão por ter contribuído na formação da teoria quântica de coerência óptica, que explica a diferença entre a luz visível, essa que é emitida pela lâmpada, e o laser. A outra metade será dividida por John L. Hall, de 71 anos, da Universidade do Colorado, EUA, e Theodor W. H¿nsch, de 63, do Instituto Max Planck, na Alemanha, por criarem sistemas e métodos que conferem precisão e estabilidade extremas a instrumentos com laser.

A Academia Real Sueca de Ciências, que escolhe os vencedores, aposta que tal precisão ainda será utilizada em viagens espaciais de longa duração, para ajudar na navegação das naves, em sistemas de telecomunicações interplanetários e em telescópios espaciais mais avançados. H¿nsch vê uma aplicação mais prosaica: "uma televisão holográfica de três dimensões".

O mais novo dos três disse estar "estupefato, feliz e sem palavras" e que tinha "um pouco de esperança de estar na lista" dos premiáveis. "Mas, se soubesse, teria colocado uma gravata." Depois de brindar rapidamente com a equipe de seu laboratório, ele correu para o aeroporto de Munique, onde mora. "Não tenho tempo para comemorar neste exato momento. As pessoas estão me esperando com champanhe, mas preciso ir para São Francisco."

No meio científico, o alemão era realmente cotado para receber o Nobel. Seu trabalho é aplicado em todo o mundo, inclusive no Brasil. No ano passado, ele visitou o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos para conferir o relógio atômico, aparelhos de altíssima precisão, instalado lá. "Todo trabalho feito em óptica atualmente está relacionado com H¿nsch e Hall", diz Vanderlei Bagnato, coordenador do laboratório. "Eles desenvolveram técnicas de observação de átomos com uma resolução cada vez maior, a chamada espectrometria de precisão, que podem levar a avanços que a gente nem sabe onde vão dar."

Hall vê seu trabalho de uma maneira muito mais simples, quase simplória se não fosse sua importância: "A maioria das pessoas usa o sintonizador para buscar freqüências e encontrar a música certa. Nós permitimos que o mesmo seja feito na esfera óptica."

Ele disse que pretende usar o dinheiro do prêmio para financiar o estudo em ciência e tecnologia. "Tenho muito interesse em ajudar jovens que não têm recursos financeiros."

UM POUCO DE HISTÓRIA

Segundo a Academia Sueca, a óptica é "a ferramenta dos físicos para lidar com o fenômeno da luz". Fenômeno cujo conceito tem sofrido grandes mudanças nos últimos cem anos.

Até o fim do século 19, aceitava-se que a luz era formada por ondas, teoria comprovada por diversos experimentos - ainda que algumas oscilações fossem vistas, como quando o inglês James Maxwell comprovou que ela é uma propagação de ondas eletromagnéticas. Em 1905, um jovem alemão, Albert Einstein, mostrou que a luz é composta de pequeníssimas partículas, um quantum ou fóton.

A partir daí, cresceu um debate que permanecia escondido entre os físicos: se a luz se comporta como onda ou como partícula. A verdade, aparentemente, está no meio da física tradicional e da quântica: ela pode se comportar dos dois jeitos. Só que essa linha de conhecimento só ganhou fôlego a partir da década de 1950, quando o laser foi inventado.

Glauber conseguiu explicar parte do mistério em 1963. Hoje professor aposentado, o americano formulou uma teoria que responde uma pergunta básica e essencial: o que diferencia a luz térmica, essa emitida pela lâmpada, do laser? Seus cálculos mostraram que a luz visível tem uma mescla de freqüência e fases, enquanto o laser emite fótons em freqüência e fases específicas.

A definição permitiu que o campo da óptica se desenvolvesse como nunca. "Ele traduziu, para a linguagem matemática, que a luz tem mesmo um caráter dual, ou seja, age tanto como onda como quanto partícula", explica Miled H. Y. Moussa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Apesar da importância da descoberta, Glauber já era considerado parte do grupo de "injustiçados do Nobel", cientistas que não receberam o prêmio apesar da importância de seu trabalho (como o físico brasileiro César Lattes, morto neste ano). Não à toa o americano pensou que o telefonema de seus colegas suecos, que o tirou da cama na manhã de ontem, era uma piada. "Eu não podia acreditar."

Contudo, ele sabe bem o peso de sua pesquisa, tanto na física atual quanto na futura. "A matemática é uma aproximação da vida. Há um mundo de possibilidades a ser explorado." Um dos desdobramentos mais recentes de sua teoria é o caminho justamente inverso do que trabalhou: a manipulação da matéria para se comportar como onda. "Talvez também por isso o comitê tenha resolvido premiar Glauber neste momento", diz Moussa.

A surpresa do americano permanecia até a tarde. Questionado sobre o que faria com o prêmio, ele respondeu, rindo: "Ninguém mencionou dinheiro algum!"

LUZ: Radiação eletromagnética que se comporta tanto como onda como quanto matéria. Ela é formada por quanta ou fótons, pequenos pacotes de energia. A luz visível é diferente do laser, como mostrou matematicamente o americano Roy Glauber, um dos vencedores do Nobel de 2005: enquanto a luz visível é incoerente, ou seja, é emitida com freqüência, direção e fase irregulares, no caso do laser tudo ocorre na mesma direção - e é então chamada coerente.

ESPECTROSCÓPIO: Os efeitos da natureza quântica da luz (a presença dos quanta, ou fótons) são bastante pequenos, mas em laboratório ou em instrumentos sensíveis é preciso trabalhar com pouca incerteza. Para isso, o espectroscópio é usado, pois forma um espectro de luz para observação visual. John Hall e Theodor H¿nsch, que também foram premiados, se destacaram no estudo e na formação de espectroscópios de altíssima precisão, usados em todo o mundo.